Como resposta aos pedidos que me vão fazendo, e penitenciando-me da preguiça que por vezes me afasta da escrita com pés e cabeça, hoje deixo-vos com 23.000 caracteres e 30 fotografias que em conjunto criam o que julgo ser bom pedaço de entretenimento ciclo-turístico. Espero que divirtam a ler tanto como eu me diverti, quer a pedalar, quer a relembrar, escrevendo.
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Paleta de Outono no coração da Serra da Cabreira // 8 Dezembro 2011 // 130Km // 3197m AC+
No feriado lancei-me de novo à aventura, pedalando ao longo de um percurso que andava a congeminar há um par de semanas...
Tenho este objectivo pessoal, não obsessivo, não competitivo e não doentio, de cruzar em estrada todas as elevações acima de 1000m do nosso belo rectângulo continental. Para já, está a correr a bom ritmo, sorte minha que vivo relativamente perto de muitos desses topos. A norte da Serra da Estrela restam apenas uma mão cheia de resistentes e um deles era precisamente a Serra da Cabreira. Por isso estava na hora de virar para lá a minha atenção, tratando de passa-la para a crescente lista de conquistas.
O atractivo para este passeio seria então encontrar o ponto mais alto da serra que fosse possível cruzar em estrada e, com base nesse referencial, construir um percurso de qualidade. A reposta óbvia para a questão da elevação poderia ser... Nariz do Mundo (que é como quem diz, Moscoso...)! Mas na verdade não é! Aliás nem sequer é o segundo ponto mais alto da Serra, esse fica bem mais perto de Uz. Na verdade a passagem asfaltada a maior altitude da Serra da Cabreira situa-se do outro lado da estrada do Salto, perto de Torrinheiras. Era, portanto, esse o grande referencial para esta volta.
Como tenho mais do que uma simples costela transmontana (toda a minha família materna é de lá), o apelo que as Terras de Basto fazem é sempre irresistível e facilmente me deixo seduzir pelos encantos desta região. Gosto particularmente de a visitar no Outono porque a paleta de cores é absolutamente incrível. Há manchas consideráveis de floresta autóctone que se transformam ao longo desta estação, criando um matizado de cores único: dos verdejantes lameiros pontilhados pelo castanho do gado barrosão ao vermelho fogo das copas mais frondosas, intercaladass aqui e ali com o calor do amarelo torrado e dos tons laranjas... E como o dia esteve pouco nublado, o azul do céu também marcou presença. Um inebriante cocktail para os sentidos!
Originalmente esta volta estava pensada para ter a base logística em Fafe, abordando a serra pelo lado Oeste, via Agra ou Borralha. Mas como isso implicava a repetição de umas dezenas de quilómetros que já conhecia ou estender o percurso para lá dos quilómetros que pretendia fazer, optei por alterar a direcção e o balanceamento da volta, estudando um novo ponto de partida. Isto implicou também uma nova rota para a subida, que se veio a provar, in loco, num valioso acréscimo à qualidade do percurso.
Analisadas as opções para assentar arraiais, a escolha acabou por recair em Mondim de Basto. Primeiro porque servia perfeitamente o propósito em termos de percurso, e depois porque fica bastante acessível, comparativamente a outras opções. Até Amarante uso a A4 e depois até Mondim sirvo-me da famosa variante à N210. Pouco mais de uma hora chega para ir de casa até lá. Tendo em conta que agora amanhece mais tarde, bastou sair de casa às 6h30, para conseguir estar a pedalar por volta das 8h00, sem pressas, como convém.
Aliás a viagem até Mondim foi feita sob um cerradíssimo nevoeiro e por isso, em velocidade contida. A visibilidade era de apenas poucas dezenas de metros. De tal forma limitada que entre Penafiel e o alto da Lixa circulei em caravana, com outros condutores, a uns meros 60km/h... No alto da Lixa o manto ficou a uma cota inferior e revelou o carrossel de encostas que se estendem pelo vale do Tâmega, envolvendo-me o nevoeiro, novamente, na descida para Amarante. O mesmo se passou a caminho de Mondim. Ora estava dentro de um copo de leite, ora tinha um tapete de algodão aos meus pés. E como Mondim fica a uma cota baixa, já sabia que ia iniciar o passeio com muito pouca visibilidade...
8h00 da manhã: vestido a rigor para enfrentar o frio matinal (2 graus positivos, sem contar com o windchill!), activei o percurso, calquei o pedal esquerdo (sempre o esquerdo!) e comecei a rolar.
Dizer "rolar" é no mínimo irónico... o percurso estava destinado a percorrer desde logo as fraldas do Monte Farinha e, portanto, brindou-me com um belo aquecimento madrugador ao longo de 20Km de subida, desde Mondim até aos arredores de Macieira. A estrada percorre inicialmente a encosta sul da Senhora da Graça, em pendente ascendente até Bilhó, onde inflecte para Norte, por Covelo, mantendo a tendência de subida por mais alguns quilómetros.
Até Bilhó já conhecia a estrada nos dois sentidos. Mas desta vez estava particularmente interessante, recoberta no seu sector inicial pela espessa camada de nevoeiro... Apesar dos topos que se sucedem desde o primeiro quilómetro, a subida estabiliza sensivelmente a meio e faz-se sem grande dificuldade, aproveitando também algumas secções mais planas ou mesmo pequenas descidas. Relativa facilidade pelo menos até chegar ao famoso e empinado "S" que passa pelo centro de Bilhó. 1Km a 9.8%, com uma série de rampas e o cotovelo de 16% a meio, para acordar os mais ensonados. Aqui é bem preciso puxar pelos galões, que é como quem diz, pelo carreto 26! Pequeno preço a pagar para que ousa brincar aos ciclistas, entre o Alvão e o Monte Farinha...
Em Bilhó, segui então em direcção à zona de Limões. O primeiro par de quilómetros foi pedalado aqui e ali em pequenos retalhos de estrada que já conhecia, nas imediações de Bobal. Mas rapidamente entrei em território novo. Esta estrada já povoava o meu imaginário há uns tempos, desde que a avistei quando cruzava o Alvão, na volta de Pinduradouro. Nessa altura pedalava na fabulosa M1143 que é a continuação natural desta M1142. Quem desce o Alvão avista, lá ao longe, esta tira de asfalto de um negro forte, salpicada pelo branco das marcações e que serpenteia pela encosta até desaparecer algures na descida para o vale. Tinha ficado desde esse dia a ideia de a encontrar no mapa e de fazer um percurso que por lá passasse.
E aqui estava eu no cruzamento de Macieira, a virar à esquerda para finalmente conhecer esta pérola...
A estrada é de facto muito recente e de altíssima qualidade. Fez-me lembrar os troços dos arredores da Gralheira, no Montemuro: Estrada relativamente estreita, percorre a crista da Serra da Alvadia sendo ladeada por muros de pedra e campos de cultivo. Com uma vista deslumbrante no topo - sempre com o Monte Farinha ao fundo, a dominar as atenções - a estrada atira-se depois encosta abaixo, com curvas e contracurvas que a tornam muito divertida e agradável de percorrer. O entusiasmo na descida foi moderado pelo piso bastante molhado, já que toda a encosta que agora calcorreava estava mergulhada ainda na sombra das primeiras horas da manhã. A cada cotovelo mais apertado correspondia uma abrupta variação da elevação, com as escarpas que ladeiam a estrada a ameaçar atirar para o abismo aqueles que fora dos domínios do asfalto se aventurassem...
O óbvio, nesta fase seria descer esta encosta até Cerva, cruzar o rio e percorrer a estrada que contorna a serra seguinte, até Ponte de Cavez. Mas o óbvio é aborrecido pá! Tinha descoberto nas fotografias de satélite e já nos domínios de Ribeira de Pena, uma pequena estrada que liga Portela de Santa Eulália a Ponte de Cavez, atravessando a crista da serra, pelo meio de uma mancha florestal. Era por aí que imediatamente quis ir, ainda que chegar a esse troço implicasse descer mais um pouco, atravessar o rio Poio e subir toda a encosta oposta do vale, com um acréscimo de 15Km em relação à opção óbvia e linear. Mas dei de barato o desvio, porque tinha a certeza que seria recompensador.
Ia tão distraído com a deslumbrante paisagem que se me oferecia no vale em baixo, com o manto de nevoeiro a ser de novo protagonista, que nem olhei para o GPS. Falhei, por isso, o cruzamento que me levaria até Cabriz. Detectado o erro a tempo, voltei para trás e comecei a descer as ruelas que conduziam à travessia do rio Poio. Ali, alguém andou a poupar na terraplanagem! O GPS marcou inclinações assustadoras e de facto, junto à ponte, uma placa advertia que a estrada que eu tinha acabado de descer era só para veículos ligeiros... Pudera!
Felizmente a subida pela encosta oposta era mais suave, ainda assim, facilmente se pedala acima dos 15%, nas rampas que se sucedem até encontrar a N312. Entrando na estrada principal a subida torna-se mais suave, e os quilómetros seguintes, são bastante agradáveis: estrada larga, piso em excelente estado, enquadramento cénico com o Alvão em pano de fundo e quase nenhum trânsito. Ao contrário da última vez, em que segui para Este, em direcção às costas do Alvão, desta feita na Portela de Santa Eulália apontei a Noroeste, cruzando a zona industrial e apanhando a tal estrada que segue ao longo da crista da serra.
Foi aposta ganha! Estradinha tímida mas magnífica, a oferecer uma panorâmica abrangente do que já tinha feito e do que me esperava a seguir: primeiro uma varanda para o vale do rio Poio, e para as encostas onde tinha andado nos quilómetros anteriores e depois, um plano aberto a Norte revelou o maciço da Cabreira pela primeira vez, descortinando a longa subida que me esperava.
Encontro mais à frente a estrada que vem directa de Cerva e sigo-a ao longo da descida para Ponte de Cavez, serpenteando por entre pequenos aglomerados de casas. Há que aproveitar porque este será o último descanso digno desse nome que terei durante os próximos 27Km...
Mais uma vez, há várias formas de apanhar, esfolar e cozinhar um coelho que é como quem diz, uma subida. Podia desde logo subir a serra de elevador expresso, por Leiradas ou Viela. Podia também fazer metade da serra, subindo por Vilar de Cunhas. Podia, mas não era certamente a mesma coisa... No meu caso queria fazer a refeição mais saborosa e, por isso, escolhi o percurso mais longo, seguindo a estrada que percorre toda a encosta sobranceira ao rio e que, depois de se desprender do Tâmega, embrenha-se para Norte, acompanhando o Rio Beça e os vales que vão de Ribeira de Pena até aos montes que rodeiam Boticas. Aí, em Gondiães, roda novamente para Este e Nordeste coincidindo o final da subida com uma linha vertical imaginária traçada desde o ponto de início, quase três dezenas de quilómetros antes.
Dividindo em blocos, a conquista seria feita 3 momentos principais: De Cavez a Gondiães ficaria com metade da ascenção feita, de Gondiães a Uz era a parte mais complicada e íngreme, restando depois os topos entre Uz e Moscoso.
A subida desenrola-se numa primeira fase com uma pendente constante e agradável. O piso é aceitável embora mais perto de Gondiães se torne de fraca qualidade. Presumo que seja pelo facto de existir uma ligação mais directa à parte de cima da serra a partir de Cunhas e, por isso, quem usa o restante da estrada normalmente só irá para Gondiães, o que certamente lhe retira alguma importância na altura de priorizar as manutenções...
Nesta primeira abordagem à serra, além do Tâmega e do Beça, lá no fundo, consigo ver a crista da Portela de Santa Eulália onde tinha passado pouco antes. A subida é à minha feição: muito longa e constante, permite-me estabelecer um ritmo agradável e, com isso, nem dou pela passagem dos primeiros quilómetros. Os cruzamentos vão ficando cada vez mais escassos e, finalmente, surge o último ponto de fuga à montanha, por uma estrada que desce a encosta até Ribeira de Pena. Daqui para a frente, apenas a M518 se apresenta como opção de progressão.
Uma última e vasta mancha florestal rodeia Gondiães. Do lado esquerdo da estrada temos cedros, do lado direito o imenso vale apenas com restos de eucalipto, já que todas as encostas estão agora desnudas fruto do recente desmate. Vejo, lá ao longe, a N312 onde passei há tempos na volta a Boticas. Acho sempre interessante este saltitar entre a imagem mental que construímos de uma determinada estrada ao vê-la ao longe e o que realmente experiênciamos ao percorre-la. Como bónus, o poder olhar agora no sentido inverso, da observada para a observadora, repetindo o ciclo...
Gondiães fica completamente isolado no extremo da serra. Sair dali só voltando para trás ou então enfrentando os estadões da Serra do Pinheiro em direcção a nenhures, já que não há mesmo nada parecido com civilização ali perto. Este estranho desejo de isolamento foi motivo para mais uma daquelas profundas reflexões geo-filosóficas que me assaltam durante estas tiradas solitárias. Não poderia, por isso, faltar a pergunta da praxe: "Porquê fixar uma população aqui? Quem terá tido tal ideia aparentemente absurda?"
Mas os pensamentos são bruscamente interrompidos com a viragem para Este, em direcção ao centro do maciço. Imediatamente, e sem grande aviso prévio surgem, em catadupa, as rampas de 15%. É a fase mais violenta e em que mais rapidamente me desloco verticalmente. Em apenas 7Km colecciono 500m de acumulado, quase metade do que iria amealhar na totalidade da subida. Sou recebido com 2Km a 8.5% só para deixar a prateleira de serra onde se encaixa Gondiães. A Cabreira vende cara a conquista!
A caminho de Samão revejo agora em grande plano toda a subida que já fiz e tenho o espectacular vislumbre do que ainda falta fazer, à medida que a estrada deriva para nordeste, para a zona que será o corolário da subida.
Por falar em Samão, atravessar a aldeia é uma aventura! A estrada principal insiste em querer descer a encosta e é preciso olhar duas vezes para encontrar a direcção certa, que me levará para as estradas do topo da serra. Não bastasse o desvio escondido, ainda é preciso vencer uma larga centena de metros em calçada muito, muito irregular. E claro, mais subida logo à saída da aldeia. Nada de novo já que, por esta altura, ainda faltava coleccionar uns bons metros até aos 1035m, a cota mais alta deste lado do maciço.
Pouco depois, mais uma viragem pronunciada para Norte e definitivamente para o topo da serra. Esperam-me agora quilómetros agrestes, despovoados e apenas com vegetação muito rasteira a pintalgar o crescendo de pedra que se vai instalando. A serra manda na estrada e a estrada obedece: não há atalhos abertos à força de retroescavadora...
Há uma interessante mutação ao longo da subida. Primeiro as miudezas agrícolas e humanas nos arredores das aldeolas perto do rio, depois o maciço forrado a vegetação rasteira, as pedreiras que esventram a serra, mais minifúndio e miudezas, mancha florestal e, finalmente, com esta inflexão final para Norte, a transformação definitiva na paisagem com o granito a dominar.
Avisto Uz: um pequeno oasis em que a manta de retalhos formada pelos lameiros se sobrepõe estoicamente ao domínio implacável do granito que povoa o planalto. Mais uns topos, mais um par de subidas e pouco depois dos 80Km de viagem, chego ao ponto mais alto deste lado do maciço.
Aqui, o rasto humano limita-se à existência da estrada. À estrada e a um um pequeno paralelepípedo de cimento com a inscrição "Beços / Carvalho". Para onde aponta, pensei? Aqui só há monte! Mas um olhar mais atento revela um esbatido estradão que a serra há muito reclamou de volta. Mais tarde confirmei: de facto aquela era a antiga via de ligação até estas duas aldeias. Benesse do progresso, agora há uma estrada asfaltada, mais abaixo.
O topo da serra é verdadeiramente avassalador! A estrada ondula ao sabor da geografia, ora com subidas suaves, ora com descidas curtas e rápidas, contorcendo-se em torno dos topos, penedos e encostas. E a panorâmica é única: os monstros do Marão e Alvão são ladeados pelas inúmeras serras vizinhas. Menos imponentes, mas que ainda assim não se envergonham do alto dos seus 600 ou 700 metros, ombreando orgulhosamente os gigantes com o dobro da sua altura.
Ainda não falei dos automóveis que cruzam estas estradas desertas e fascinantes... e não há muito para dizer, porque de facto por aquelas bandas automóveis é coisa rara. Passaram 3 por mim durante toda a subida. E uma motorizada, a penar quase tanto como eu, para levar de vencida a inclinação. Foi uma sensação boa, a de ter a estrada emprestada por umas horas...
Hipnotizado com o planalto, abordo agora o famoso desfiladeiro que disputa, com o restaurante de mesmo nome, a atenção dos forasteiros que se deslocam a Moscoso. O vale do Nariz do Mundo é de facto impressionante, embora este não seja o seu melhor ângulo para absorver toda a sua magnificência. Nem foi coisa que me aborrecesse muito. A descida que ladeia o início do desfiladeiro concentra toda a minha atenção. Foi, para mim, o verdadeiro corolário da subida. Palavras para quê? A fotografia diz tudo!
Atravesso o desfiladeiro a Norte, quando ainda se encontra na sua forma embrionária. Permanecerá assim por pouco tempo já que rapidamente encorpa e ganha a dimensão que se lhe conhece. Curioso aqui é o facto de que apenas a ponte e alguns metros de asfalto de cada lado ficarem inseridos na divisão administrativa do distrito de Vila Real. Regressando ao distrito de Braga, subo agora para Moscoso, cruzando uma mancha de pinheiro, a primeira desde que larguei Gondiães.
Não atravesso a aldeia. A minha rota leva-me mais para Norte, descendo em direcção a Lodeiro de Arque. Mas não sem antes subir um pouco mais e cruzar uma daquelas manchas mágicas de cedros, carvalhos choupo, musgo, caruma e neblina. Já aqui tinha descrito essa sensação de percorrer poucas centenas de metros mas ficar com a impressão que estive ali mergulhado por intermináveis minutos. Foi exactamente assim que este troço me fez sentir.
É um pedacinho de estrada insignificante em extensão mas impressionante no conteúdo...
Deixo para tras a anomalia no espaço/tempo e a simpática casa do guarda florestal agora certamente transformada em residência pessoal. Em menos de nada estou a atravessar a estrada que vai de Cabeceiras até ao Salto. Aqui faço apenas umas escassas centenas de metros, cortando à direita para Torrinheiras e para o grande atractivo altimétrico da volta. Na verdade são poucos os metros de vantagem que esta passagem no topo da serra leva em relação à que já tinha feito depois de Uz, mas são esses metros que fazem a diferença no papel e na conquista...
Não há que subir muito para estar nos 1038m que marcam o ponto mais alto da passeata. Um agradável passeio entre muros de pedra e campos que se espreguiçam pela encosta abaixo. Olho uma última vez para o vale de Riodouro e para a encosta Oeste da Cabreira, atravesso meia dúzia de casas que formam a aldeia de Torrinheiras e já está.
Depois de uma curva na estrada a subida acaba e tudo o que resta é uma estrada que desce timidamente, numa recta serpenteante. Estava ultrapassado o terceiro topo de 1000m do dia, o mais alto dos três.
Conquistado que estava o referencial que serviu de mote ao passeio, iniciam-se os 40Km finais, numa toada mais descendente. Percorri o minifúndio dos arrebaldes de Torrinheiras, que esbarra nos maciços graníticos e por ali fica confinado. Tento não me entusiasmar muito nesta primeira fase da descida, para conseguir absorver mais alguma da beleza da zona envolvente a Busteliberne a Porto D'Olho. E ainda faltava um pratinho de sobremesa...
A passagem nos viveiros de Moinhos de Rei foi curta, mas deu para relembrar a espectacularidade do local. De repente estava no meio de uma densa floresta ao estilo nórdico onde mais nada se fazia ouvir senão a abundante água corrente, a invulgar algazarra de pássaros nesta altura do ano e o som das minhas rodas a calcarem primeiro o asfalto e, por alguns metros, o estradão de terra num desvio exploratório. Não me aventurei muito mais pelo meio do parque de merendas, até porque o propósito desta vez era pedalar e não caminhar (e muito menos atravessar o ribeiro a pé!), mas certamente regressarei com mais tempo para revisitar (e fotografar) esta pequena esfera de paraíso bucólico.
A despedida do coração dos viveiros é feita da mesma forma que a recepção, com o milhares de cedros a ladearem a estrada numa belíssima pintura de Outono. Acentua-se a descida que me leva rapidamente até Gondarém, marcando a chegada a terrenos mais povoados. Ficava para trás o bloco mais "selvagem" do percurso.
Entro agora na N205, companheira de outras aventuras para os lados da albufeira do Ermal. Passei acima de Baloutas, aldeia da minha bisavó, e que será alvo de uma próxima incursão exploratória com mais tempo, para relembrar alguns bons retalhos da minha infância, por lá passados. Segui caminho até ao centro de Cabeceiras de Basto, numa toada descendente que iria manter-se nos próximos quilómetros.
A partir de Cabeceiras já conhecia o restante percurso até Mondim, embora, em grande parte, apenas o tivesse feito de carro. Resisti com dificuldade ao apelo de parar para uma sandes de vitela no Luís do Outeirinho e lancei-me estrada abaixo em direcção à N206. Não sem antes cruzar mais umas largas centenas de metros em paralelo... nada que incomode muito, depois da calçada de Samão!
A N206, onde desemboquei à saída do Arco de Baúlhe, já me tinha acompanhado noutros tempos, durante a volta ao Salto. Desta vez estava a subi-la, fazendo um pequeno troço direcção a Oeste. Ainda pensei em pedalar mais um par de quilómetros para ir lanchar uma patanisca no pão e um sumol a um restaurante simpático que há mais acima - e que já me abasteceu noutras aventuras, mas não quis atrasar mais o regresso. Desta vez não haveria lanche volante! Assim sendo cortei logo para Mondim, via Fontelas.
Chegar ao Tâmega é fácil e rápido! Sempre a descer a direito! Largar o Tâmega e chegar até à entrada clássica da Senhora da Graça, antes de começar a descer para Mondim, já é outra história!
Logo a seguir ao rio há que vencer 2km a 8% de média, povoados com rampas de 13 e 14% intercaladas com curtos descansos. E depois são mais alguns quilómetros de pequenos topos que nesta fase já moíam um bocadinho. Fiz esta parte em modo económico, a pensar mais no lanche que tinha à minha espera no carro do que propriamente na estrada que, na generalidade, não é particularmente fascinante...
Uma última mirada à Senhora da Graça (que não haverei de subir tão cedo) e fiz o resto da descida até Mondim num ápice.
Finito! Estava cumprida mais uma daquelas aventuras a solo especiais!
No final os números confirmavam a barrigada e deixaram-me bastante satisfeito. Apenas 130km mas com uns simpáticos 3200m de acumulado positivo de elevada qualidade. Como costumo dizer, uma volta tipo Sunquick: bem concentrada e saborosa!
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Os mais curiosos podem ver o registo > aqui.
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Não tenho, para já, planos concretos para nenhuma volta deste género, diferente... Há apenas uma ou outra ideia rabiscada para pequenas voltas de circunstância em zonas que ainda não conheço, mas nada de muito elaborado. No entanto, nunca se sabe quando surge um daqueles rastilhos que acicatam a minha curiosidade e vontade de me fazer novamente à estrada à procura de uma tira de asfalto qualquer, perdida no meio do mapa...
Por enquanto o BTT tem ganho predominância e acredito que assim continue, esperando o regresso da meteorologia mais estável para voltar à estrada.
Ate lá, boas pedaladas, sobretudo se forem feitas por estradas desertas e fascinantes!
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Paleta de Outono no coração da Serra da Cabreira // 8 Dezembro 2011 // 130Km // 3197m AC+
No feriado lancei-me de novo à aventura, pedalando ao longo de um percurso que andava a congeminar há um par de semanas...
Tenho este objectivo pessoal, não obsessivo, não competitivo e não doentio, de cruzar em estrada todas as elevações acima de 1000m do nosso belo rectângulo continental. Para já, está a correr a bom ritmo, sorte minha que vivo relativamente perto de muitos desses topos. A norte da Serra da Estrela restam apenas uma mão cheia de resistentes e um deles era precisamente a Serra da Cabreira. Por isso estava na hora de virar para lá a minha atenção, tratando de passa-la para a crescente lista de conquistas.
O atractivo para este passeio seria então encontrar o ponto mais alto da serra que fosse possível cruzar em estrada e, com base nesse referencial, construir um percurso de qualidade. A reposta óbvia para a questão da elevação poderia ser... Nariz do Mundo (que é como quem diz, Moscoso...)! Mas na verdade não é! Aliás nem sequer é o segundo ponto mais alto da Serra, esse fica bem mais perto de Uz. Na verdade a passagem asfaltada a maior altitude da Serra da Cabreira situa-se do outro lado da estrada do Salto, perto de Torrinheiras. Era, portanto, esse o grande referencial para esta volta.
Como tenho mais do que uma simples costela transmontana (toda a minha família materna é de lá), o apelo que as Terras de Basto fazem é sempre irresistível e facilmente me deixo seduzir pelos encantos desta região. Gosto particularmente de a visitar no Outono porque a paleta de cores é absolutamente incrível. Há manchas consideráveis de floresta autóctone que se transformam ao longo desta estação, criando um matizado de cores único: dos verdejantes lameiros pontilhados pelo castanho do gado barrosão ao vermelho fogo das copas mais frondosas, intercaladass aqui e ali com o calor do amarelo torrado e dos tons laranjas... E como o dia esteve pouco nublado, o azul do céu também marcou presença. Um inebriante cocktail para os sentidos!
Originalmente esta volta estava pensada para ter a base logística em Fafe, abordando a serra pelo lado Oeste, via Agra ou Borralha. Mas como isso implicava a repetição de umas dezenas de quilómetros que já conhecia ou estender o percurso para lá dos quilómetros que pretendia fazer, optei por alterar a direcção e o balanceamento da volta, estudando um novo ponto de partida. Isto implicou também uma nova rota para a subida, que se veio a provar, in loco, num valioso acréscimo à qualidade do percurso.
Analisadas as opções para assentar arraiais, a escolha acabou por recair em Mondim de Basto. Primeiro porque servia perfeitamente o propósito em termos de percurso, e depois porque fica bastante acessível, comparativamente a outras opções. Até Amarante uso a A4 e depois até Mondim sirvo-me da famosa variante à N210. Pouco mais de uma hora chega para ir de casa até lá. Tendo em conta que agora amanhece mais tarde, bastou sair de casa às 6h30, para conseguir estar a pedalar por volta das 8h00, sem pressas, como convém.
Aliás a viagem até Mondim foi feita sob um cerradíssimo nevoeiro e por isso, em velocidade contida. A visibilidade era de apenas poucas dezenas de metros. De tal forma limitada que entre Penafiel e o alto da Lixa circulei em caravana, com outros condutores, a uns meros 60km/h... No alto da Lixa o manto ficou a uma cota inferior e revelou o carrossel de encostas que se estendem pelo vale do Tâmega, envolvendo-me o nevoeiro, novamente, na descida para Amarante. O mesmo se passou a caminho de Mondim. Ora estava dentro de um copo de leite, ora tinha um tapete de algodão aos meus pés. E como Mondim fica a uma cota baixa, já sabia que ia iniciar o passeio com muito pouca visibilidade...
8h00 da manhã: vestido a rigor para enfrentar o frio matinal (2 graus positivos, sem contar com o windchill!), activei o percurso, calquei o pedal esquerdo (sempre o esquerdo!) e comecei a rolar.
Dizer "rolar" é no mínimo irónico... o percurso estava destinado a percorrer desde logo as fraldas do Monte Farinha e, portanto, brindou-me com um belo aquecimento madrugador ao longo de 20Km de subida, desde Mondim até aos arredores de Macieira. A estrada percorre inicialmente a encosta sul da Senhora da Graça, em pendente ascendente até Bilhó, onde inflecte para Norte, por Covelo, mantendo a tendência de subida por mais alguns quilómetros.
Até Bilhó já conhecia a estrada nos dois sentidos. Mas desta vez estava particularmente interessante, recoberta no seu sector inicial pela espessa camada de nevoeiro... Apesar dos topos que se sucedem desde o primeiro quilómetro, a subida estabiliza sensivelmente a meio e faz-se sem grande dificuldade, aproveitando também algumas secções mais planas ou mesmo pequenas descidas. Relativa facilidade pelo menos até chegar ao famoso e empinado "S" que passa pelo centro de Bilhó. 1Km a 9.8%, com uma série de rampas e o cotovelo de 16% a meio, para acordar os mais ensonados. Aqui é bem preciso puxar pelos galões, que é como quem diz, pelo carreto 26! Pequeno preço a pagar para que ousa brincar aos ciclistas, entre o Alvão e o Monte Farinha...
Em Bilhó, segui então em direcção à zona de Limões. O primeiro par de quilómetros foi pedalado aqui e ali em pequenos retalhos de estrada que já conhecia, nas imediações de Bobal. Mas rapidamente entrei em território novo. Esta estrada já povoava o meu imaginário há uns tempos, desde que a avistei quando cruzava o Alvão, na volta de Pinduradouro. Nessa altura pedalava na fabulosa M1143 que é a continuação natural desta M1142. Quem desce o Alvão avista, lá ao longe, esta tira de asfalto de um negro forte, salpicada pelo branco das marcações e que serpenteia pela encosta até desaparecer algures na descida para o vale. Tinha ficado desde esse dia a ideia de a encontrar no mapa e de fazer um percurso que por lá passasse.
E aqui estava eu no cruzamento de Macieira, a virar à esquerda para finalmente conhecer esta pérola...
A estrada é de facto muito recente e de altíssima qualidade. Fez-me lembrar os troços dos arredores da Gralheira, no Montemuro: Estrada relativamente estreita, percorre a crista da Serra da Alvadia sendo ladeada por muros de pedra e campos de cultivo. Com uma vista deslumbrante no topo - sempre com o Monte Farinha ao fundo, a dominar as atenções - a estrada atira-se depois encosta abaixo, com curvas e contracurvas que a tornam muito divertida e agradável de percorrer. O entusiasmo na descida foi moderado pelo piso bastante molhado, já que toda a encosta que agora calcorreava estava mergulhada ainda na sombra das primeiras horas da manhã. A cada cotovelo mais apertado correspondia uma abrupta variação da elevação, com as escarpas que ladeiam a estrada a ameaçar atirar para o abismo aqueles que fora dos domínios do asfalto se aventurassem...
O óbvio, nesta fase seria descer esta encosta até Cerva, cruzar o rio e percorrer a estrada que contorna a serra seguinte, até Ponte de Cavez. Mas o óbvio é aborrecido pá! Tinha descoberto nas fotografias de satélite e já nos domínios de Ribeira de Pena, uma pequena estrada que liga Portela de Santa Eulália a Ponte de Cavez, atravessando a crista da serra, pelo meio de uma mancha florestal. Era por aí que imediatamente quis ir, ainda que chegar a esse troço implicasse descer mais um pouco, atravessar o rio Poio e subir toda a encosta oposta do vale, com um acréscimo de 15Km em relação à opção óbvia e linear. Mas dei de barato o desvio, porque tinha a certeza que seria recompensador.
Ia tão distraído com a deslumbrante paisagem que se me oferecia no vale em baixo, com o manto de nevoeiro a ser de novo protagonista, que nem olhei para o GPS. Falhei, por isso, o cruzamento que me levaria até Cabriz. Detectado o erro a tempo, voltei para trás e comecei a descer as ruelas que conduziam à travessia do rio Poio. Ali, alguém andou a poupar na terraplanagem! O GPS marcou inclinações assustadoras e de facto, junto à ponte, uma placa advertia que a estrada que eu tinha acabado de descer era só para veículos ligeiros... Pudera!
Felizmente a subida pela encosta oposta era mais suave, ainda assim, facilmente se pedala acima dos 15%, nas rampas que se sucedem até encontrar a N312. Entrando na estrada principal a subida torna-se mais suave, e os quilómetros seguintes, são bastante agradáveis: estrada larga, piso em excelente estado, enquadramento cénico com o Alvão em pano de fundo e quase nenhum trânsito. Ao contrário da última vez, em que segui para Este, em direcção às costas do Alvão, desta feita na Portela de Santa Eulália apontei a Noroeste, cruzando a zona industrial e apanhando a tal estrada que segue ao longo da crista da serra.
Foi aposta ganha! Estradinha tímida mas magnífica, a oferecer uma panorâmica abrangente do que já tinha feito e do que me esperava a seguir: primeiro uma varanda para o vale do rio Poio, e para as encostas onde tinha andado nos quilómetros anteriores e depois, um plano aberto a Norte revelou o maciço da Cabreira pela primeira vez, descortinando a longa subida que me esperava.
Encontro mais à frente a estrada que vem directa de Cerva e sigo-a ao longo da descida para Ponte de Cavez, serpenteando por entre pequenos aglomerados de casas. Há que aproveitar porque este será o último descanso digno desse nome que terei durante os próximos 27Km...
Mais uma vez, há várias formas de apanhar, esfolar e cozinhar um coelho que é como quem diz, uma subida. Podia desde logo subir a serra de elevador expresso, por Leiradas ou Viela. Podia também fazer metade da serra, subindo por Vilar de Cunhas. Podia, mas não era certamente a mesma coisa... No meu caso queria fazer a refeição mais saborosa e, por isso, escolhi o percurso mais longo, seguindo a estrada que percorre toda a encosta sobranceira ao rio e que, depois de se desprender do Tâmega, embrenha-se para Norte, acompanhando o Rio Beça e os vales que vão de Ribeira de Pena até aos montes que rodeiam Boticas. Aí, em Gondiães, roda novamente para Este e Nordeste coincidindo o final da subida com uma linha vertical imaginária traçada desde o ponto de início, quase três dezenas de quilómetros antes.
Dividindo em blocos, a conquista seria feita 3 momentos principais: De Cavez a Gondiães ficaria com metade da ascenção feita, de Gondiães a Uz era a parte mais complicada e íngreme, restando depois os topos entre Uz e Moscoso.
A subida desenrola-se numa primeira fase com uma pendente constante e agradável. O piso é aceitável embora mais perto de Gondiães se torne de fraca qualidade. Presumo que seja pelo facto de existir uma ligação mais directa à parte de cima da serra a partir de Cunhas e, por isso, quem usa o restante da estrada normalmente só irá para Gondiães, o que certamente lhe retira alguma importância na altura de priorizar as manutenções...
Nesta primeira abordagem à serra, além do Tâmega e do Beça, lá no fundo, consigo ver a crista da Portela de Santa Eulália onde tinha passado pouco antes. A subida é à minha feição: muito longa e constante, permite-me estabelecer um ritmo agradável e, com isso, nem dou pela passagem dos primeiros quilómetros. Os cruzamentos vão ficando cada vez mais escassos e, finalmente, surge o último ponto de fuga à montanha, por uma estrada que desce a encosta até Ribeira de Pena. Daqui para a frente, apenas a M518 se apresenta como opção de progressão.
Uma última e vasta mancha florestal rodeia Gondiães. Do lado esquerdo da estrada temos cedros, do lado direito o imenso vale apenas com restos de eucalipto, já que todas as encostas estão agora desnudas fruto do recente desmate. Vejo, lá ao longe, a N312 onde passei há tempos na volta a Boticas. Acho sempre interessante este saltitar entre a imagem mental que construímos de uma determinada estrada ao vê-la ao longe e o que realmente experiênciamos ao percorre-la. Como bónus, o poder olhar agora no sentido inverso, da observada para a observadora, repetindo o ciclo...
Gondiães fica completamente isolado no extremo da serra. Sair dali só voltando para trás ou então enfrentando os estadões da Serra do Pinheiro em direcção a nenhures, já que não há mesmo nada parecido com civilização ali perto. Este estranho desejo de isolamento foi motivo para mais uma daquelas profundas reflexões geo-filosóficas que me assaltam durante estas tiradas solitárias. Não poderia, por isso, faltar a pergunta da praxe: "Porquê fixar uma população aqui? Quem terá tido tal ideia aparentemente absurda?"
Mas os pensamentos são bruscamente interrompidos com a viragem para Este, em direcção ao centro do maciço. Imediatamente, e sem grande aviso prévio surgem, em catadupa, as rampas de 15%. É a fase mais violenta e em que mais rapidamente me desloco verticalmente. Em apenas 7Km colecciono 500m de acumulado, quase metade do que iria amealhar na totalidade da subida. Sou recebido com 2Km a 8.5% só para deixar a prateleira de serra onde se encaixa Gondiães. A Cabreira vende cara a conquista!
A caminho de Samão revejo agora em grande plano toda a subida que já fiz e tenho o espectacular vislumbre do que ainda falta fazer, à medida que a estrada deriva para nordeste, para a zona que será o corolário da subida.
Por falar em Samão, atravessar a aldeia é uma aventura! A estrada principal insiste em querer descer a encosta e é preciso olhar duas vezes para encontrar a direcção certa, que me levará para as estradas do topo da serra. Não bastasse o desvio escondido, ainda é preciso vencer uma larga centena de metros em calçada muito, muito irregular. E claro, mais subida logo à saída da aldeia. Nada de novo já que, por esta altura, ainda faltava coleccionar uns bons metros até aos 1035m, a cota mais alta deste lado do maciço.
Pouco depois, mais uma viragem pronunciada para Norte e definitivamente para o topo da serra. Esperam-me agora quilómetros agrestes, despovoados e apenas com vegetação muito rasteira a pintalgar o crescendo de pedra que se vai instalando. A serra manda na estrada e a estrada obedece: não há atalhos abertos à força de retroescavadora...
Há uma interessante mutação ao longo da subida. Primeiro as miudezas agrícolas e humanas nos arredores das aldeolas perto do rio, depois o maciço forrado a vegetação rasteira, as pedreiras que esventram a serra, mais minifúndio e miudezas, mancha florestal e, finalmente, com esta inflexão final para Norte, a transformação definitiva na paisagem com o granito a dominar.
Avisto Uz: um pequeno oasis em que a manta de retalhos formada pelos lameiros se sobrepõe estoicamente ao domínio implacável do granito que povoa o planalto. Mais uns topos, mais um par de subidas e pouco depois dos 80Km de viagem, chego ao ponto mais alto deste lado do maciço.
Aqui, o rasto humano limita-se à existência da estrada. À estrada e a um um pequeno paralelepípedo de cimento com a inscrição "Beços / Carvalho". Para onde aponta, pensei? Aqui só há monte! Mas um olhar mais atento revela um esbatido estradão que a serra há muito reclamou de volta. Mais tarde confirmei: de facto aquela era a antiga via de ligação até estas duas aldeias. Benesse do progresso, agora há uma estrada asfaltada, mais abaixo.
O topo da serra é verdadeiramente avassalador! A estrada ondula ao sabor da geografia, ora com subidas suaves, ora com descidas curtas e rápidas, contorcendo-se em torno dos topos, penedos e encostas. E a panorâmica é única: os monstros do Marão e Alvão são ladeados pelas inúmeras serras vizinhas. Menos imponentes, mas que ainda assim não se envergonham do alto dos seus 600 ou 700 metros, ombreando orgulhosamente os gigantes com o dobro da sua altura.
Ainda não falei dos automóveis que cruzam estas estradas desertas e fascinantes... e não há muito para dizer, porque de facto por aquelas bandas automóveis é coisa rara. Passaram 3 por mim durante toda a subida. E uma motorizada, a penar quase tanto como eu, para levar de vencida a inclinação. Foi uma sensação boa, a de ter a estrada emprestada por umas horas...
Hipnotizado com o planalto, abordo agora o famoso desfiladeiro que disputa, com o restaurante de mesmo nome, a atenção dos forasteiros que se deslocam a Moscoso. O vale do Nariz do Mundo é de facto impressionante, embora este não seja o seu melhor ângulo para absorver toda a sua magnificência. Nem foi coisa que me aborrecesse muito. A descida que ladeia o início do desfiladeiro concentra toda a minha atenção. Foi, para mim, o verdadeiro corolário da subida. Palavras para quê? A fotografia diz tudo!
Atravesso o desfiladeiro a Norte, quando ainda se encontra na sua forma embrionária. Permanecerá assim por pouco tempo já que rapidamente encorpa e ganha a dimensão que se lhe conhece. Curioso aqui é o facto de que apenas a ponte e alguns metros de asfalto de cada lado ficarem inseridos na divisão administrativa do distrito de Vila Real. Regressando ao distrito de Braga, subo agora para Moscoso, cruzando uma mancha de pinheiro, a primeira desde que larguei Gondiães.
Não atravesso a aldeia. A minha rota leva-me mais para Norte, descendo em direcção a Lodeiro de Arque. Mas não sem antes subir um pouco mais e cruzar uma daquelas manchas mágicas de cedros, carvalhos choupo, musgo, caruma e neblina. Já aqui tinha descrito essa sensação de percorrer poucas centenas de metros mas ficar com a impressão que estive ali mergulhado por intermináveis minutos. Foi exactamente assim que este troço me fez sentir.
É um pedacinho de estrada insignificante em extensão mas impressionante no conteúdo...
Deixo para tras a anomalia no espaço/tempo e a simpática casa do guarda florestal agora certamente transformada em residência pessoal. Em menos de nada estou a atravessar a estrada que vai de Cabeceiras até ao Salto. Aqui faço apenas umas escassas centenas de metros, cortando à direita para Torrinheiras e para o grande atractivo altimétrico da volta. Na verdade são poucos os metros de vantagem que esta passagem no topo da serra leva em relação à que já tinha feito depois de Uz, mas são esses metros que fazem a diferença no papel e na conquista...
Não há que subir muito para estar nos 1038m que marcam o ponto mais alto da passeata. Um agradável passeio entre muros de pedra e campos que se espreguiçam pela encosta abaixo. Olho uma última vez para o vale de Riodouro e para a encosta Oeste da Cabreira, atravesso meia dúzia de casas que formam a aldeia de Torrinheiras e já está.
Depois de uma curva na estrada a subida acaba e tudo o que resta é uma estrada que desce timidamente, numa recta serpenteante. Estava ultrapassado o terceiro topo de 1000m do dia, o mais alto dos três.
Conquistado que estava o referencial que serviu de mote ao passeio, iniciam-se os 40Km finais, numa toada mais descendente. Percorri o minifúndio dos arrebaldes de Torrinheiras, que esbarra nos maciços graníticos e por ali fica confinado. Tento não me entusiasmar muito nesta primeira fase da descida, para conseguir absorver mais alguma da beleza da zona envolvente a Busteliberne a Porto D'Olho. E ainda faltava um pratinho de sobremesa...
A passagem nos viveiros de Moinhos de Rei foi curta, mas deu para relembrar a espectacularidade do local. De repente estava no meio de uma densa floresta ao estilo nórdico onde mais nada se fazia ouvir senão a abundante água corrente, a invulgar algazarra de pássaros nesta altura do ano e o som das minhas rodas a calcarem primeiro o asfalto e, por alguns metros, o estradão de terra num desvio exploratório. Não me aventurei muito mais pelo meio do parque de merendas, até porque o propósito desta vez era pedalar e não caminhar (e muito menos atravessar o ribeiro a pé!), mas certamente regressarei com mais tempo para revisitar (e fotografar) esta pequena esfera de paraíso bucólico.
A despedida do coração dos viveiros é feita da mesma forma que a recepção, com o milhares de cedros a ladearem a estrada numa belíssima pintura de Outono. Acentua-se a descida que me leva rapidamente até Gondarém, marcando a chegada a terrenos mais povoados. Ficava para trás o bloco mais "selvagem" do percurso.
Entro agora na N205, companheira de outras aventuras para os lados da albufeira do Ermal. Passei acima de Baloutas, aldeia da minha bisavó, e que será alvo de uma próxima incursão exploratória com mais tempo, para relembrar alguns bons retalhos da minha infância, por lá passados. Segui caminho até ao centro de Cabeceiras de Basto, numa toada descendente que iria manter-se nos próximos quilómetros.
A partir de Cabeceiras já conhecia o restante percurso até Mondim, embora, em grande parte, apenas o tivesse feito de carro. Resisti com dificuldade ao apelo de parar para uma sandes de vitela no Luís do Outeirinho e lancei-me estrada abaixo em direcção à N206. Não sem antes cruzar mais umas largas centenas de metros em paralelo... nada que incomode muito, depois da calçada de Samão!
A N206, onde desemboquei à saída do Arco de Baúlhe, já me tinha acompanhado noutros tempos, durante a volta ao Salto. Desta vez estava a subi-la, fazendo um pequeno troço direcção a Oeste. Ainda pensei em pedalar mais um par de quilómetros para ir lanchar uma patanisca no pão e um sumol a um restaurante simpático que há mais acima - e que já me abasteceu noutras aventuras, mas não quis atrasar mais o regresso. Desta vez não haveria lanche volante! Assim sendo cortei logo para Mondim, via Fontelas.
Chegar ao Tâmega é fácil e rápido! Sempre a descer a direito! Largar o Tâmega e chegar até à entrada clássica da Senhora da Graça, antes de começar a descer para Mondim, já é outra história!
Logo a seguir ao rio há que vencer 2km a 8% de média, povoados com rampas de 13 e 14% intercaladas com curtos descansos. E depois são mais alguns quilómetros de pequenos topos que nesta fase já moíam um bocadinho. Fiz esta parte em modo económico, a pensar mais no lanche que tinha à minha espera no carro do que propriamente na estrada que, na generalidade, não é particularmente fascinante...
Uma última mirada à Senhora da Graça (que não haverei de subir tão cedo) e fiz o resto da descida até Mondim num ápice.
Finito! Estava cumprida mais uma daquelas aventuras a solo especiais!
No final os números confirmavam a barrigada e deixaram-me bastante satisfeito. Apenas 130km mas com uns simpáticos 3200m de acumulado positivo de elevada qualidade. Como costumo dizer, uma volta tipo Sunquick: bem concentrada e saborosa!
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Os mais curiosos podem ver o registo > aqui.
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Não tenho, para já, planos concretos para nenhuma volta deste género, diferente... Há apenas uma ou outra ideia rabiscada para pequenas voltas de circunstância em zonas que ainda não conheço, mas nada de muito elaborado. No entanto, nunca se sabe quando surge um daqueles rastilhos que acicatam a minha curiosidade e vontade de me fazer novamente à estrada à procura de uma tira de asfalto qualquer, perdida no meio do mapa...
Por enquanto o BTT tem ganho predominância e acredito que assim continue, esperando o regresso da meteorologia mais estável para voltar à estrada.
Ate lá, boas pedaladas, sobretudo se forem feitas por estradas desertas e fascinantes!