Creio que esse texto merece atenção ao ser lido:
“O problema do doping no ciclismo não foi Lance Armstrong, ou melhor não foi só Lance Armstrong “ – palavras de Jonathan Vaugthers.
"A braços com um problema que pode determinar uma falta de confiança de possíveis patrocinadores e publico, o ciclismo estará pendente das declarações do campeão americano, para novas medidas que levarão a uma constante e permanente queda de audiência da modalidade. Diremos que a corrida se vai iniciar, quinta feira, com um prólogo. Segundo rumores postos em circulação, Lance terá admitido a sua dopagem, podendo arrastar consigo elementos preponderantes na direção da UCI. Por outro lado, Armstrong não terá implicado nenhum ciclista nas suas declarações.
Complicado ou não, o processo Armstrong transformou-se na maior perseguição individual, de que um atleta foi alvo, e o maior ataque desferido a uma disicplina desportiva, reconhecidas que são as práticas dopantes em muitas outras modalidades, sem que nada ou ninguém as ponha em causa . Lance Armstrong foi vitima de um sistema sempre utilizado no ciclismo, que passou de geração em geração, constituindo o que se poderia dizer uma cultura institucionalizada.
Com a evolução do processo desportivo, a sua importância na sociedade, o desenvolvimento comercial das suas atividades, e o grande espaço nos média, fizerem do desporto uma das atividades mais proeminentes, superando em muitos casos, notícias e informações políticas e sociais. Ao ganhar espaço e projeção o fenómeno desportivo começou a ser encarado de uma forma mais atenta e exigente, e os casos de doping foram encarados, a partir do final da década de 90 inícios dos anos 2000, com outra seriedade por todas as entidades. Até esta altura o doping era alvo de castigo, mas não tinha o caráter , nem o grau de exigência ,que hoje em dia é dado a este fenómeno.
Recordemo-nos do caso Lasse Viren, que através de uma transfusão sanguínea , derrotou Carlos Lopes nos Jogos Olímpicos. O caso na época foi relacionado, por uns como doping, por outros como um processo moderno de treino…
Voltando a Armstrong, e sem procurarmos branquear o que é escuro, o que se torna mais injusto na situação, é o facto de todos criticarem fortemente o americano, ao ponto de o reduzirem a um criminoso, quando o que Lance fez , foi adaptar o que se passava na altura dos factos à sua realidade. A verdade é que a geração de Armstrong foi a melhor de todos os tempos. Reuniu um leque de ciclistas que conseguiu que o ciclismo passasse, em termos de audiência e popularidade, para a segunda modalidade mundial, e esse facto não agradou a muita gente. Dir-se-á que andavam todos “ preparados”, talvez, não dizemos que não, mas os seus feitos, os seus duelos, os seus ataques, o seu poder físico entusiasmaram milhões.
O que não é menos verdade é que Lance Armstrong trouxe consigo novos métodos de treino, e catapultou a modalidade para níveis de audiência nunca vistos noutras modalidades. Ele e outros como ele : Marco Pantani, talvez o mais amado de toda esta geração. Generoso, atacante por natureza, dizem dele, os especialistas , o maior trepador de todos os tempos. Morreu de overdose, esquecido, maltratado, escorraçado, sem dó nem piedade por uma imprensa sedenta de visibilidade, para quem os fins não justificam os meios.
Que dizer do Ulrich, da sua robustez, da sua fragilidade psicológica, da sua força, escorraçado por todos, com graves problemas psicológicos e sucessivas depressões. Se tivéssemos tempo e espaço falaríamos de mais campeões , que ajudaram a galvanizar a modalidade, mas que tiveram o azar de correr numa época , em que a ciência, a tecnologia dos laboratórios não foi capaz de acompanhar e se modernizar, face aos conhecimentos médicos vindos do seu exterior.
Terão sido os atletas os culpados ? Ou pelo menos, terão sido apenas eles os culpados ? Pensamos que não. A legislação na altura era confusa, dúbia, convidava a experiências em demasia. apenas se dizia que um atleta não podia correr com o hematócrito superior a 50%. A EPO não era detetável, logo... Os italianos, nos anos 90, vinham a Portugal e faziam sofrer os portugueses, que corriam sempre atrás da sua roda traseira: a sprintar, rolar e trepar. A seguir foram os portugueses, um pouco mais tarde, que faziam o mesmo aos estrangeiros que nos visitavam.
Os laboratórios e as entidades competentes demoraram muito tempo a modernizarem-se e a enfrentarem o problema do doping, com a rapidez que o problema exigia. Foram desleixados, os laboratórios e as federações internacionais. São todos também culpados. Volvidos todos estes anos, não compreendemos porque o castigo a aplicar a Armstrong tenha de ser diferente do aplicado a Vaugthters, Leipheimer, Landis, Hincapie e outros que tais, do qual não podemos esquecer Bjarn Riis.
Podemos dizer, ainda, naturalmente numa visão radicalista , anárquica ou até niilista que esta falta de resposta das entidades oficiais em gastar dinheiro para se modernizar e efetuarem testes para detectarem as tais substancias proibidas na altura dos factos ( anos 90 e inicio dos anos 2000), que obrigou os ciclistas a doparem-se na sua generalidade. E não será difícil admitir esta hipótese, pelo simples facto do clima de desconfiança existente entre os ciclistas na altura . Isto é, “ sou obrigado a tomar porque eles tomam “. Um clima que ainda hoje é tido como problemático para alguns directores. Na verdade, era muito difícil na altura moralizar os seus ciclistas para correrem limpos, quando se sabia, melhor ,desconfiava, dos métodos desta ou de outra equipa.
Dizer-se, contudo, que Armstrong teve ao seu serviço o mais complicado e elaborado esquema de doping mundial, é como acreditar , hoje em dia, que ainda há anjinhos com asas. É como acreditar que os records da natação, atletismo, os torneios de ténis sejam disputados e conquistados a pão e água. É como acreditar, por exemplo, que, na Operação Puerto só estejam envolvidos, por mera coincidência, apenas ciclistas. Armstrong foi, no meio de todo este imbróglio culpado, mas também vitima, de um sistema que permitiu que tudo se fizesse. Um Armstrong que trouxe muitos prejuízos para a modalidade , mas que também trouxe consigo muitos pormenores que ajudaram à sua evolução, do ciclismo e do desporto. Um Armstrong solidário que trouxe paz e conforto, serviu de exemplo e esperança para muitas pessoas sobreviverem na sua luta contra o cancro. Entre o deve e haver e apesar de considerarem alguns dos meus artigos de opinião, demasiado favoráveis a Lance Armstrong, creio que Lance foi o melhor ciclista , pelo menos da sua geração, o mais mediático de todos os tempos, o mais revolucionário nos métodos de treino utilizados, mas também , talvez, o mais antipático e menos acessível.
Será, para o bem e para o mal, um dos nomes do desporto mundial mais falado, conhecido, adorado , invejado e odiado do século XX. No meio de tudo isto, os abutres, esses, apenas esperam pelos milhões que, dizem, Armstrong ganhou, não se lembrando dos milhões que ele lhes deu a ganhar."
José Santos