O meu
ídolo no ciclismo, não pelas classificações que fazia (que eram muito boas) mas pela pessoa que demonstrava ser!
Destaco a
como a sua característica principal!
Vou tentar avivar este tópico e transcrever para aqui algumas reportagens sobre o J Agostinho dos nossos meios de comunicação:
E o Joaquim Agostinho, como era? Resposta por Marco Chagas, I
Ah, esse não era normal, esse era um fora de série. Nós somos pessoas comuns, alguns com algum jeito, mas ele era o fora de série, posso dizê-lo, lidei com ele, fomos companheiros de quarto. E olhe que o apanhei a caminho dos 40 anos! Ele só começou a correr aos 25, agora imagine se tivesse feito formação desde miúdo. Ah, fez dois terceiros lugares na Volta à França, mas teria ganho a corrida várias vezes.
... Sabe que ele fazia mergulho? Num estágio que fizemos na Cote D''Azur ele levou o equipamento de caça submarina. Um dia vestiu o fato, pegou nos óculos, no respirador e na arma e foi mergulhar. Eu fiquei na praia a ver. Repare que não havia cá botija de oxigénio. Ele mergulhou, veio ao de cima, voltou a mergulhar e desapareceu. Minutos! Sei lá, minutos! Eu ali a ficar em pânico e o tipo nada. Eu estava apavorado! Minutos! Depois lá apareceu, chamei-o e ele: "O que foi? Tudo normal!" O Joaquim Agostinho tinha uma caixa torácica com o dobro da largura da minha. Depois disse-me que estava habituado a fazer aquilo, porque em África, quando esteve Moçambique na guerra, era ele que ia mergulhar para agarrar os peixes para a malta comer. Sabe como é, mandavam uma granada para dentro de água, aquilo rebentava, depois iam lá buscar os peixes. E a outra história: na Volta ao Algarve, em 1984, no dia antes da queda que viria a ser fatal, fizemos a ligação entre o hotel e o início da etapa de bicicleta. Pelo caminho ele disse-nos que achava que não ia fazer um grande resultado no contra-relógio. "Você está maluco!", respondemos. Olhe que ele tinha 41 anos! Mas deu um minuto a toda a gente! A mim deu-me um minuto e eu até achava que percebia alguma coisa daquilo! E foi de amarelo que morreu.
Eddie Merckx sobre Agostinho, Expresso
O belga Eddie Merckx , eleito melhor corredor do século XX pela União Ciclista Internacional, lembra-se dos "domingos de fiesta" pedidos por Joaquim Agostinho em plena Volta a França, entre as "muitas boas recordações" de um "grande atleta".
Em entrevista à Agência Lusa, o pentacampeão do Tour e do Giro destaca o "enorme poder físico" de Agostinho como característica principal.
"Às vezes, ao domingo, dizia na brincadeira para nós que era 'fiesta' (feriado), para irmos com mais calma. Tenho muitas boas recordações. Era um sujeito muito simpático, um grande atleta", contou Merckx, recordista de vitórias em etapas (34) e de dias com a camisola amarela (111) da "Grande Boucle", em apenas sete presenças.
O "Canibal" considera que era "melhor trepador" que Agostinho, mas reconhece que o português se revelava "impressionante" em tiradas de "sobe-e-desce", como numa das etapas do ano de estreia do português no Tour, em 1969: "Ele ia fugido e nós não conseguíamos apanhá-lo porque estava muito forte".
Joaquim Agostinho, em 13 participações na corrida francesa, ganhou cinco etapas - duas em 1969, uma em 1973, outra em 1977 e, finalmente, conquistou o carismático Alpe d'Huez, na 17ª tirada do "Tour 1979", quando repetiu a sua melhor prestação de sempre na geral, igualando o terceiro posto do ano anterior
"Depende de que equipa viesse a fazer parte e do momento dos outros corredores. Acho que eu era melhor trepador e ele era impressionante em etapas de 'sobe-e-desce', mas, depois, claro que teria sido possível ele ganhar o Tour, por que não?", concluiu Merckx, questionado sobre o trabalho que Agostinho tinha que fazer para os seus chefes-de-fila ao longo da carreira internacional.
Joaquim Agostinho. O génio e o louco no corpo de um campeão, Jornal I
10 de Maio de 1984. 9h37 minutos. A Rádio Televisão Portuguesa espalha a notícia pela qual todos esperavam angustiados. Joaquim Agostinho morreu. O Hospital da CUF encheu em poucas horas e o povo saiu à rua para se despedir do grande campeão. "Portugal parou naquele dia. Estava toda a gente agarrada à rádio para saber notícias do Agostinho. Aproximava-se o 13 de Maio e as pessoas organizavam-se para ir a Fátima pedir por ele, para ver se ele se salvava." Mas não. A morte pregou a última rasteira a Joaquim Agostinho. Morreu depois de dez dias em coma.
"O médico disse-nos: 'Já não sei que lhe diga. Só lhe dávamos 24 horas de sobrevivência, mas afinal...' Ele foi forte até ao fim. Era um campeão completo", diz João Roque, antigo ciclista do Sporting, e o homem que fez dele uma lenda. "Foi uma morte muito sentida. Um funeral assim, só comparado ao do Sá Carneiro. Desde a Basílica da Estrela [em Lisboa], até aqui à Silveira [Torres Vedras] não se viu um metro de chão de tanta gente que era."
Ramalho Eanes, Presidente da República na altura, e Mário Soares, como primeiro-ministro, prestaram também a última homenagem a Joaquim Agostinho, por entre o aglomerado de gente que veio de todos os cantos do país.
"Quando ele caiu em Quarteira, na Volta ao Algarve, por causa de dois cães que se atravessaram na frente da bicicleta, o augúrio não foi nada bom", diz Francisco Araújo, mecânico velocipédico e fiel companheiro de Agostinho. "Depois da queda ele disse-me assim: 'Araújo, mete- -me em cima da bicicleta.' Ele nunca me pediu tal coisa. O pé esquerdo dele não assentava no pedal, a cabeça pendia para a frente e quando reparei a minha camisa estava cheia de cabelos. Mas ele queria continuar a correr", conta, fazendo uma pausa dramática no discurso. "Ele foi sempre teimoso, sabe. Foi a teimosia que o matou." No final da etapa, Agostinho recusou entrar para a ambulância, onde aguardava António Palma, também vítima da mesma queda. O torriense preferiu ir para a residencial O Nosso Paraíso onde estava alojado. Por muito sugestivo que fosse o nome, a noite foi um verdadeiro inferno. "Começou a sentir-se mal e fartou-se de vomitar. Foi levado para o Hospital de Faro, mas andou a empatar durante todo o dia. Acabou por ser levado numa ambulância para Lisboa, mas foi tarde de mais", suspira o mecânico. Uma das maiores mágoas de Francisco Araújo, de 75 anos, foi não ter estado no funeral. "Queria cá ficar com ele, mas tinha um contrato para cumprir e tive de ir fazer uma volta à Colômbia, durante os dias em que ele esteve em coma. Quando morreu fiquei muito triste, estava longe, ainda por cima", relembra, mexendo ansioso numa caneta, sentado na secretária do sótão, que com os anos transformou num museu do ciclismo. Tem catalogados 500 bonés, 184 camisolas e mais de 20 mil recortes de jornais.
COMO SE FAZ UM CAMPEÃO
"Um dia, ele veio cá pedir-me ensinamentos sobre ciclismo", conta João Roque, de 70 anos, que só nos pôde dar a entrevista à tarde, porque de manhã foi dar a sua habitual volta de bicicleta domingueira de 80 quilómetros. "Mais tarde começou a pedir- -me camisolas e bonés e marquei-lhe alguns treinos. No dia de Natal inscrevi-o numa corrida aqui perto de Torres Vedras. Ganhou com uma volta de avanço", ri.
Joaquim Agostinho era hortelão, viajava numa pasteleira de casa para o trabalho e pelo caminho adorava espicaçar os ciclistas na estrada. Em 1968, Agostinha já tinha 25 anos. Era demasiado velho para começar uma carreira de ciclista profissional. "Depois dessa exibição estrondosa levei-o ao Sporting, mas eles não o queriam, achavam que era tempo perdido, e ainda por cima não tinha técnica nenhuma, não sabia andar de bicicleta", conta João Roque. "Mas como eu era o menino querido do clube, acabaram por aceitá-lo", sorri trocista.
Francisco Araújo dá continuidade à história de João Roque; conheceu Joaquim Agostinho, pela mão do ciclista do Sporting. "Durante um treino, ele pôs-se à frente do pelotão e desapareceu. Tiveram de o mandar parar senão ele continuava por ali fora", ri o mecânico. Em 1969 Agostinho venceu a primeira corrida em que participou e ganhou mais seis campeonatos.
Na Primavera desse ano, aceita estagiar na Frimatic, em França. No avião, onde viajava com Leonel Miranda, companheiro de muitas voltas, estava também Amália Rodrigues que o alertou para os perigos de ser uma vedeta. "Agostinho, provavelmente a partir de agora vais ter de deixar Portugal com frequência. Em França vais ser bem recebido, mas tem cuidado com as raparigas, elas vão tentar seduzir-te. Mentaliza-te que o que elas querem é incompatível com a tua profissão", disse-lhe a fadista. Em Julho, alinha no Tour de France, ganha duas etapas e acaba em oitavo lugar. Nunca um ciclista português tinha chegado tão longe e Eddy Merckx, o canibal da Volta a França, começa a olhá-lo pelo canto do olho. "Todos os dias ouvíamos o relato na cabine, era uma festa, uma algazarra. Era um feito único", relembra, contente, Francisco Araújo, como se estivesse a reviver o momento. "Mas ele caía muito. Há retratos onde ele aparece com os braços e as pernas todas ligadas. O ciclismo é uma disciplina de muito sofrimento. Um ciclista não pode parar, ao contrário do futebol. Se um deles cai, fica na relva à espera de um massagista", diz enumerando os problemas de Agostinho. "Ele não sabia medir a força que tinha e espetava-se sempre nas curvas." O ciclista torriense era apelidado de homem-adesivo por causa das inúmeras quedas.
Na Volta a Portugal desse mesmo ano, Agostinho acusou positivo num controlo antidoping e a vitória foi atribuída a Joaquim Andrade. Reclamou estar inocente e nos anos seguintes provou que era o maior. Venceu três voltas consecutivas. A primeira em 1970, faz este ano 40 anos.
Joaquim Agostinho participou ainda em 12 Voltas a França. "Em 1980, virou-se para o Jean de Gribaldy [director-desportivo francês] e disse-lhe: 'A partir de hoje quero o meu mecânico aqui comigo, estou farto de cair'", conta Araújo. "Os pneus estavam sempre todos mal colados e as rodas passavam a vida a saltar, por isso é que ele caía tanto."
Araújo é engenhoso, não é por acaso que tem o epíteto de "melhor mecânico velocipédico do mundo". Quando chovia, Araújo passava limão pelas rodas da bicicleta de Agostinho, para que tivesse maior aderência à estrada. "Se não fosse mecânico, era barbeiro como o meu pai. Mas eu passava a vida a fugir da barbearia e enfiava-me na casa de bicicletas que havia lá ao lado. Comecei aos dez anos, a ganhar 10 tostões."
Mais do que amigo, o mecânico de Sacavém zelou sempre pelos interesses do ciclista. Dormiu muitas noites junto das bicicletas com medo de sabotagem de outras equipas. Antigamente não havia nem contentores, nem camiões para as guardar. "Era uma forma de fugir aos percevejos das pensões manhosas em que ficávamos", diz divertido. Joaquim Agostinho foi bom, mas podia ter sido melhor. "Ele era um grande homem, um óptimo colega. Podia ter ganho muitas Voltas a França, mas ele não queria saber disso para nada. Se havia alguém em apuros, ele parava a bicicleta e ia ajudá-lo se fosse preciso. Empurrou muitos até à meta. Uma vez, avisaram o pelotão que a água só seria distribuída no final da etapa. Ele revoltou-se, parou e foi buscar água para dar a todos." Francisco Araújo abana a cabeça desconcertado. Joaquim Agostinho tinha tanto de génio como de louco. "Todos gostávamos dele por causa disso."