De novo as duas centenas!
Como sempre, tudo começa com um olhar para o mapa, para a linha imaginária que limita uma área de 100km/110Km em torno da minha cidade, Valongo. Depois é escolher uma cidade, um local, uma zona que me diga algo e desenhar uma forma de lá ir, e de voltar.
Não sou propriamente conhecedor das clássicas rotas do ciclismo. Por isso faço as coisas um pouco por instinto, somando as dicas que me vão dando, o que vou lendo de outras voltas e o meu interesse pessoal em determinado trajecto. Tudo agitado, misturado e atirado ao mapa, normalmente toma a forma de mais uma maluqueira ciclística, a conjugar zonas clássicas, com as mais improváveis ligações.
Desta feita foi Cabeceiras de Basto que me chamou a atenção. Ainda me martela na cabeça o périplo de 240Km que quero fazer por aquelas maravilhosas terras, mas desta feita o projecto teria de ser a uma escala um pouco mais reduzida. Decidi por isso fazer o percurso Valongo, Guimarães, Fafe, Lameirinha, Tour na barragem do Ermal, S. Torcato, Guimarães de novo, Vizela + Serra do Relógio, Paços de Ferreira, Lordelo, Sobrado, Campo e de volta a Valongo.
Saída manhã cedo, como habitualmente, para aproveitar o primeiro par de horas mais fresco. Mas desta feita a saída foi marcada por um pequeno contratempo com o desviador dianteiro. De véspera tinha estado a colocar o desviador SRAM Force com a braçadeira de carbono e o ajuste não ficou perfeito. Com visitas ao jantar, que acabou invariavelmente tarde, não tive oportunidade de testar tudo como devia de ser e de manhã paguei essa factura. A entrada da corrente no prato 50 não era constante o que me obrigou a voltar para trás 100m depois de começar e reajustar o desviador. Felizmente nada que comprometesse o dia, uma vez que em meia hora estava o problema resolvido, e precisamente um minuto antes das 7 da manhã estava novamente na estrada, agora definitivamente em direcção ao meu objectivo.
Conhecia bem a estrada até Guimarães e um pouco mais acima, até ao cruzamento que corta para Felgueiras. Daí para a frente já não passava há uns anos. Até Guimarães o percurso é maioritariamente rolante, com apenas um par de subidas ligeiras e, por isso, foi com rapidez que cheguei à cidade berço.
De Guimarães até Fafe a estrada é igualmente acessível e em menos de nada cheguei à malha urbana de Fafe. Numa tendência que domina agora, as imediações das cidades estão a ser lentamente desprovidas dos troços originais de estrada nacional, para dar lugar a variantes mais directas, menos subjugadas ao recorte do terreno mas sem interesse absolutamente nenhum em termos ciclísticos. Por isso, de véspera, tive que fazer alguma ginástica para desenhar um percurso que evitasse a variante Guimarães-Fafe e, mais importante, que navegasse por entre a cidade, até conseguir apanhar novamente a estrada nacional, já em direcção a Cabeceiras.
Na teoria, no google maps, parecia algo complicado, com bastantes viragens dentro do centro da cidade. Contudo, no terreno, revelou-se bem mais fácil. O único senão foi o facto de que o centro da cidade de Fafe é todo em pavé e, por isso, houve que levar umas valentes sacudidelas. Será fácil imaginar o quão divertido foi tentar ler o ecrã de um GPS que não passava de um borrão cinzento, tal era a trepidação!
Mas lá consegui encontrar a N311 que me levaria até Cabeceiras, com um rebuçado pelo caminho que nem eu estava a contar. Um pequeno erro na elaboração do mapa levou a que fizesse parte do percurso até Moreira de Rei por uma estrada paralela, por onde passa a Volta a Fafe, a julgar pelas escritas no chão e que me presenteou não só com um agradável percurso mas também com um par de generosas rampas para acordar e preparar o que aí vinha.
Em Moreira de Rei já estava então novamente na N311, pronto a começar a subir. Não sabia bem para onde, mas ataquei a subida com imenso gosto. As eólicas ao fundo, o verde rasteiro e o azul do céu, distraíram-me da inclinação e da duração da subida. Mas nem seria preciso já que com um perfil constante este é precisamente o tipo de subidas que mais gosto, e que ajudam a estabilizar ritmos e a organizar a nossa cabeça para o resto da jornada.
Só no topo da subida, ao ver a placa "Lameirinha", percebi que estava numa das mecas do Rally em Portugal. A descida que se segue é uma boa recompensa, se bem que, a experiência que vou ganhando já me permite antever que quando atravessamos uma ponte depois de uma boa descida, é sinal de que vamos voltar a subir.
E assim foi, mais uma valente subida do outro lado do vale, com a aproximação a Cabeceiras pelo lado de Outeiro. Esta zona conheço relativamente bem, já que pelo menos um par de vezes por ano lá vou. E como são sempre boas as lembranças que trago de Cabeceiras desta vez não ia ser diferente. Não estivesse eu de volta, desta feita em autonomia e movido apenas pelo meu esforço.
Pequena paragem no centro para abastecer e para comer duas ameixas compradas num minimercado da terra. Aliás, cortesia do imenso calor que se fez sentir ao longo de toda a volta, foram dos poucos sólidos que consegui comer. Líquidos, por seu lado, não faltaram e as paragens para comprar água ou para refrescar, sucederam-se.
Saída de Cabeceiras em direcção a Paredes de Coura, com mais uma longa subida à saída da cidade, por Paizela. Os planaltos das terras de Basto são sempre complicados de atingir, mas depois a paisagem é imensamente compensadora. Não matando, estas subidas não deixam de ser traiçoeiras e vão fazendo mossa.
Depois da longa subida foi a vez da descida para Paredes de Coura. Asfalto de óptima qualidade e um suceder de curvas e contracurvas numa zona densamente arborizada, que ajudaram e muito a minimizar o calor. Foi um troço muito divertido e bastante bonito, com a vista do vale que se espreguiçava à direita, as árvores em túnel e o delicioso pormenor dos resguardos da estrada ainda em cimento. Felizmente para a componente turística, os rails de metal ainda não chegaram aqui...
Passada Paredes de Coura, apontei ao segundo objectivo do dia: A albufeira do Ermal. Mais um troço extremamente interessante entre Pombal e Mosteiro, o vértice mais a Norte desta aventura. Zona bastante arborizada, com a barragem a espreitar timidamente por entre a vegetação. Aqui rolei a bom ritmo, mas ainda deu para uma pequena paragem a apreciar um belo espécime de gado barrosão que, com o calor já no pico, inteligentemente se colocou dentro de água a refrescar. Eu faria, com todo o gosto, exactamente o mesmo...
Embora a ideia inicial fosse ir por Anissó, em boa hora mudei os planos, para fazer mais alguns quilómetros em torno das margens do Ermal. Depois de alguma indecisão, bem patente no track GPS, lá consegui atinar com a estrada para Taboadela.
E que estrada! As primeiras centenas de metros eram uma sucessão de rampas acima dos 20% e só estabilizou com a descida para a margem da albufeira, onde tive o primeiro vislumbre a sério do tranquilo espelho de água. Não sem antes passar num mini Stelvio, embora com apenas dois cotovelos e a descer, mas que me fez esboçar um largo sorriso.
Seguiu-se um agradabilíssimo troço à borda d'água com um dos melhores momentos do dia a aparecer sob a forma da Barragem de Guilhofrei. Eu tenho uma pequena fixação com estas estruturas e por isso, parei a meio do curioso tabuleiro da travessia e andei por ali a espreitar todos os ângulos da barragem. Com mais tempo teria certamente descido à cota inferior e esmiuçado todos os recantos.
A vista para a albufeira é fantástica e apesar de ser proibido, apetecia mesmo dar um belo mergulho da plataforma no meio da barragem! Um par de fotografias de recordação e segui viagem, de alma ainda mais cheia.
E aqui o GPS decide deixar de colaborar (quando troquei o troço intermédio no ermal novamente pelo troço completo da volta) e deixou-me sem grandes indicações durante alguns quilómetros. Um comportamento muito abonatório para um dispositivo desta natureza....
Mas como homem prevenido vale por dois, tinha fixado alguns pontos chave na rota, e um deles era a vila de Castelões. Por isso em Taíde e na dúvida entre Póvoa de Lanhoso e Fafe, bastou-me perguntar por Castelões para ficar na rota certa.
Mais um bonito troço nos arredores de Arosa e uma paragem para a tradicional sandes mista com Sumol em Garfe, antes de atacar a longa subida para Gonça e depois para São Torcato. Subida exigente a exigir ritmo certo e muita cabeça. Eram 13h30, o sol estava impiedoso e a hidratação fundamental.
Daí até Guimarães, é sempre a descer, para alívio do ciclista já que o sol continuava feroz, e as energias iam sendo consumidas a bom ritmo. Recarreguei as baterias na descida, o suficiente para enfrentar o pavé no centro de Guimarães. Podia ter evitado os solavancos, é certo, contornando a cidade. Mas tinha saudades do Toural, e por isso fui lá dar uma perninha.
Até Vizela foi uma luta mental para manter o ânimo para a subida da Serra do Relógio que seria o último grande desafio do dia. Curiosamente, a cabeça era a parte menos confiante e só com a resposta bem positiva das pernas, no primeiro quilómetro a subir, é que me mentalizei que afinal aquela subida, feita já com 150Km nas pernas, não ia ser o inferno que tinha suposto. Aparte dos últimos 500m em que sofri por antecipação de nunca mais chegar ao topo, o restante foi feito com pedalada sólida e com muita bravura.
Conquistada a Serra do Relógio, estava na altura de fazer os chamados "troços de ligação até casa". Estradas que, embora já tenham sido lugares distantes, agora são apenas passagens forçadas entre o desconhecido e o regresso a casa.
Paços de Ferreira, Lordelo, Sobrado e Campo, foram atravessados em modo automático e com o pouco entusiasmo que sobra nesta altura do campeonato. Uma pequena celebração em Campo com a ultrapassagem dos 200Km, objectivo do dia, e chegada a casa pouco depois.
Esgotado mas extremamente feliz, tinha conquistado mais um objectivo pessoal e adicionado mais alguns quilómetros ao meu currículo de pedaladas. Nos últimos dois meses já foram mais de 2300Km, distribuídos entre estrada (2000) e BTT.
Telemetria da volta
aqui.
Consumo sólidos: 1 barrinha, um gel, um cubo de marmelada, uma sandes mistas e duas ameixas.
Consumo líquidos: Aproximadamente 5 litros de água, e 3 refrigerantes para alimentar a alma.
Ano e meio depois de começar, parece que o bichinho da estrada ficou bem instalado! Mas não esqueço o BTT e por isso no próximo domingo vou descobrir uns trilhos novos para os lados de Braga. 8 de Agosto marcará o regresso à estrada com a subida à Senhora da Graça, no dia da etapa da Volta a Portugal.
Até lá!