26-10-2014: Serra de Alvaiázere
A serra de Alvaiázere, um imponente bloco calcário no extremo sudeste do maciço Sicó-Alvaiázere, é uma elevação que não consta dos livros da escola, que não faz parte do conhecimento geográfico mais comum e que, talvez por isso, reveste-se de um quase total desconhecimento sobre aquilo que esconde. A curiosidade que esta serra suscita já me tinha levado a colocá-la na lista-de-lugares-a-conhecer-e-coisas-a-fazer há coisa de 3 anos, isto quando, nas viagens ocasionais à terra que me viu crescer, comecei a habituar-me a avistá-la a escassos quilómetros quando passo de automóvel. Aquele bloco calcário atinge uns meros 608 metros de altitude, mas dada a morfologia tendencialmente plana da área envolvente, ganha contornos de imponência na paisagem. O plano foi sendo constantemente adiado, à espera de um alinhamento ideal entre predisposição e disponibilidade, sendo que o passado Domingo foi finalmente esse dia.
Aproveitando a mudança de horário, saltei da cama às 6h30 e já os primeiros raios de sol despontavam. De véspera, e uma vez que compromissos familiares exigiam que estivesse de regresso antes das 12h, decidi pôr em prática algo que ainda não me é ainda muito habitual, mas que o passará a ser, ou seja, ir de carro até um ponto que usarei como partida e chegada, evitando os aborrecidos e já muito percorridos quilómetros que faria só por fazer e que nada de novo me trariam, poupando em tempo e ganhando em prazer e em satisfação. Desta forma, torna-se a viagem bem mais interessante, isto para além de permitir alargar o raio de acção das aventuras. Pequeno almoço tomado, últimos pormenores verificados e sigo rumo a Pombal, onde montaria a minha "base logística".
Ás 7h20 estava a dar as primeiras pedaladas e, apesar do calor que se previa para o dia, o amanhecer estava frio, mas nada que um inicio logo em ascensão não tratasse de atenuar. Subo a colina que alberga o castelo de Pombal e mergulho por estradas secundárias, desertas e de excelente piso, serpenteando pelas aldeias e lugarejos polvilhados pelo território, típico do povoamento disperso desta região. Primeiro pela M530, depois pelo CM1053, os quilómetros vão passando num sobe e desce constante, à medida que o corpo vai despertando. Chegado a Vila Cã, ainda sem alma viva pelas ruas, rumo a Abiul, terra de passado rico e distante, que foi sede de concelho entre 1167 e 1821, sendo agora uma das freguesias do concelho de Pombal. Em Abiul surge a primeira surpresa do dia. O trajecto que tinha delineado em casa e carregado para o GPS conduz-me para uma subida em calçada romana, atravessando o núcleo histórico da vila. Quando vi o que estava pela frente ainda ponderei procurar alternativa, mas resolvi arriscar. Ainda bem que o fiz. Foi muito bom atravessar aquele pedaço tão antigo de estrada e sentir a forma soberba como a Colnago se comporta neste tipo de terrenos mais ásperos.
Passada Abiul, sigo a bom ritmo pela M501, que me levaria numa tendência descendente praticamente até ao sopé da serra de Alvaiázere, começando a mesma a surgir no horizonte e a fazer-me antever o que me esperava, pois o topo da serra, onde estão instaladas as antenas, a torre de vigia da GNR e o parque eólico vislumbram-se facilmente a muitos quilómetros de distância, dada a predominância de vegetação rasteira que caracteriza este tipo de terrenos calcários.
Já na N350, uma estrada larga e de excelente piso que liga a M501 a Alvaiázere, contornando a serra com o mesmo nome, faço uma alteração ao percurso previamente delineado, face ao adiantar da hora e aos compromissos que tinha para esse dia. Não fui a Alvaiázere), conforme estava estipulado (poupando cerca de 10 km de viagem, entrando na serra pelo lado da vila, mas fi-lo pela vertente oposta, seguindo pelo CM1118 e atravessando, já em ligeira ascensão, as aldeias de Candal, Bouxinhas, Aldeia do Bofinho, instaladas na sopé da serra, chegando à aldeia da Mata, onde a subida começa realmente a doer. E o doer aqui é passar dos 130 m aos 608 m de altitude em 8 km de subida.
A subida principal da serra de Alvaiázere começa após uma placa que dá as boas vindas aos pilotos que escolhem este local para se lançar em voos de asa delta, parapente e afins e começa de uma forma que impõe respeito, com um cotovelo de uma inclinação medonha! Aliás, é fácil descrever esta subida e, talvez seja na sua simplicidade que está o lado sádico da mesma. Basicamente estamos perante uma subida constituída por três cotovelos (dois agressivos e um mais suave), e quatro segmentos de recta, sendo o miolo principal da subida uma longa, penosa e castigadora recta de 2,5 km! A subida não é longa, nem sequer é das mais inclinadas que já fiz, mas acreditem que olhar cá de baixo e ver claramente uma recta sem fim que vamos ter de trepar é verdadeiro terror psicológico! Pedalando devagar e penosamente, arrasto-me por ali acima tentando não olhar para o que ainda falta trepar, abstraindo-me com a paisagem (deslumbrante) ou levando o pensamento para outros lados, mas o corpo sente-se, e de que maneira! A custo, muito a custo, chego ao segundo cotovelo (mais uma barbaridade!) e a estrada não dá tréguas…mais uns metros de inclinação bem acentuada e alcanço a entrada do parque eólico, onde surge o terceiro cotovelo, o mais suave e o que nos leva ao último esforço de subida, já mais suave, até ao almejado topo. Já lá em cima, a paisagem é arrebatadora e o esforço recompensado pelo sentimento de conquista e de objectivo superado. Retenho-me por lá alguns minutos, sozinho (aliás, desde a última aldeia que não me cruzava com alma viva), mas o relógio continua a rodar e tinha o caminho inverso para fazer.
Esta subida tem a particularidade de ser um beco sem saída, ou seja, chegando lá acima, só há mesmo a hipótese de voltarmos pelo mesmo caminho, significando que iria descer aquilo que subi. E é na descida que a agressividade daquela recta de 2,5 km dá mais um ar de sua graça. Sem pedalar, sem assumir qualquer posição aerodinâmica e bem agarrado aos travões, atinjo os 89 km/h, a velocidade mais elevada que alguma vez atingi numa bicicleta! Chegou a ser assustador, confesso!
Já refeito das emoções, novamente de volta à base da serra, sigo pela N356, também conhecida como Estrada do Nabão, rio que atravesso uns quilómetros mais à frente, entrando no concelho de Ourém e no distrito de Santarém. A vontade era seguir por aquela estrada e explorar o muito que a envolvente de Ourém e Fátima tem para explorar, mas impunha-se que apontasse novamente em direcção a noroeste, de regresso a Pombal. A M502 foi a eleita e revelou-se uma estrada muito interessante, bom piso e sem movimento. Volto a entrar nos domínios do distrito de Leiria e sigo para Santiago de Litém e, daí, a bom ritmo e sem grande história para contar, em direcção a Pombal. Bicicleta arrumada, com o sol veraneante a fazer das suas em pleno Outono, apresso-me a voltar a casa, de alma cheia e com uma grande dor de pernas! Nos 18 km que separam Pombal da minha casa, enquanto conduzia, pergunto-me “mas onde andam os milhares de ciclistas destes país? Não me havia cruzado com um único ao longo de 82 kms de viagem por estradas fantásticas!”. Chego à execrável, perigosa e ultra-movimentada N109, na qual faço apenas 500 m até cortar para casa, e cruzo-me com três ciclistas, cada um na sua vida. “Ok, entendi!”.