Ricardo
Quebrei o "silêncio rádio" apenas porque o tema merecia ter alguma visibilidade. Voltarei paulatinamente para a minha bolha…
Quanto ao cantinho exclusivo e dedicado, ainda não será propriamente este do exposure mas pelo menos já tenho um cartão de visita mais formal.
Martins
Obrigado.
saurio33 // otnemeM // Ricardo
Como em muitas outras áreas da sociedade, na silvicultura existe um grave problema de mentalidade. Durante as últimas 3 décadas, instalou-se na cabeça dos silvicultores a ideia de um regime de lucro rápido, em ciclos de 6 a 10 anos. Não é preciso grande esforço nem manutenção. Planta-se, espera-se, corta-se e vende-se. Como o eucalipto não permite grande biodiversidade à sua volta nem é preciso limpar as matas porque elas estão sempre limpas de tão áridas que ficam. É um negócio tentador que, infelizmente, descaracterizou por completo o nosso território.
Desafio-vos a encontrarem uma mancha de floresta 100% autóctone em Portugal que tenha mais do que 20Km de extensão contínua. Tenho quase a certeza que não existe. Aliás, basta pensar que a Mata de Albergaria, situada no único parque nacional do nosso país, uma mancha altamente protegida, conservada e até portajada não chega a 10Km de largura.
Aqui ao lado, em Espanha, durante um brevet na Corunha vi dezenas e dezenas de quilómetros de floresta imaculada. Mesmo com um dos principais eixos viários Litoral > Madrid a passar lá no meio. Uma visão absolutamente maravilhosa que nunca tive por cá, e acreditem que conheço minimamente o nosso país.
O problema de mentalidade está, portanto, no facto de não se investir na sustentabilidade e na biodiversidade. Um sobreiro provavelmente dá 30x mais lucro do que um eucalipto, apesar de ter um ciclo de corte mais longo. Porém as pessoas meteram na cabeça que não podem esperar tanto tempo.
Veja-se o exemplo além fronteiras. Embora com as devidas excepções, negócios de madeira perpetuam-se ao longo de gerações que sempre tiveram a noção que é necessário plantar hoje para que os trinetos possam cortar. Assim como os trisavós fizeram antes. Isso permite ter terrenos com árvores em diferentes estágios de maturação o que faz com que o ciclos de corte sejam muito mais reduzidos e o lucro contínuo. Dá trabalho? Como quase tudo na vida.
Outra face do problema são os negócios paralelos que se alimentam do fogo. So há meia dúzia de interessados em madeira queimada. Ou se vende a eles ao preço oferecido ou fica a madeira a estorvar no terreno. O que fazem os proprietários? Encolhem os ombros e vendem. Daí a uma semana estão a plantar novo eucalipto. Se não arder, recebem o bolo completo, se arder mal o menos e pelo menos realizam algum capital. Por outro lado, terrenos limpos de outras árvores são terrenos prontinhos a carregar com eucalipto!
Noutra vertente, os negócios de combate aos fogos com aviões privados a "torrarem" milhares de euros por hora. Estamos a alugar e a importar tecnologia e "know-how" quando, ao longo da última década, assistimos da primeira fila ao desaparecimento de metade de toda a área ardida na bacia mediterrânica. Sim! Apenas e só no nosso minúsculo país ardeu mais floresta do que em Espanha, França, Itália e Grécia juntas!
Com um flagelo desta dimensão, seria de esperar que fossemos já verdadeiros especialistas e absolutamente auto-suficientes nesta matéria. Não somos. Continuamos a fazer sair dinheiro que, terminado o fogo, literalmente levanta voo para outras paragens.
O papel do estado e das autarquias locais na reversão deste estado de coisas seria obviamente fulcral no sentido de financiar plantações autóctones e penalizar as plantações de eucalipto. E sobretudo para dar o exemplo nos seus próprios terrenos. Mas para tal é necessária coragem política e isso, neste país é coisa que não abunda. Some-se os milhões gastos ao longo de 30 anos no combate a incêncios e veja-se quantos subsídios à reflorestação e programas de gestão florestal se conseguiriam financiar. E quantas pessoas poderiam estar afectas a viveiros e à limpeza dos terrenos...
Isso iria terminar de vez com os incêndios? É obvio que não. Malucos pirómanos há em todo o lado. Mas seguramente que além de reduzir a sua dimensão, tornaria o negócio da terra queimada muito menos apelativo. Já para não falar no impacto económico que a reconversão de terra sem interesse em floresta visitável poderia ter nas populações e na economia local.
Porém estamos a falar das tais decisões que só produzem efeitos a muito longo prazo, não trazem visibilidade política e que há pouca gente interessada em tomar. Afinal de contas, a tal mentalidade fechada que até se pode desculpar nos vales recônditos e perdidos do Paiva está também presente na grande metrópole de Lisboa.
Daqui a 30 anos estaremos provavelmente piores. As últimas manchas de floresta "a sério" irão progressivamente desaparecer, muito provavelmente trocadas por eucalipto.
As acções de reflorestação serão sempre uma gota de água (embora muito importante) contudo até essas vão sendo sabotadas. Há uns anos aqui em Valongo, foram plantadas cerca de 9000 árvores numa encosta da serra. Poucos dias depois mais de metade tinha sido cortada ou arrancada. Outro exemplo: a enorme bacia do Alvão ardeu há 2 anos. O mato rasteiro já floresceu mas não existiu qualquer avanço visível no que diz respeito à reflorestação. Não foi plantado eucalipto mas também não se introduziram as espécies ardidas ou outras de igual valor biológico.
Portanto, ainda há um longo percurso a trilhar até que se perceba que as alterações são rápidas do lado da destruição mas muito lentas do lado da recuperação. E seguramente não será na nossa geração que se vá ver o esplendor das nossas florestas tal como os nossos avós as conheceram.
Armando
Percebo-te. Foi com igual embargo que tive de tentar ganhar vontade para trazer esta crónica a público. Custou bastante mas era algo que tinha mesmo de ser feito.
Não deixes de visitar a Freita. Além do que ainda sobrou de verde, é importante que possamos ver agora toda a destruição causada. Para que não se esqueça, para que não se repita.
Zé
Cada qual com a sua forma de encarar as rodas e os pedais. A minha é mais contemplativa. Só isso.
O que poderás encontrar de relevante está plasmado aqui neste tópico. Haverá muitas outras coisas interessantes para contar mas isso já será num novo espaço.
Jorge
No próximo ano seguramente que o mato rasteiro já terá escondido quase toda a negrura da terra. A floresta, essa, demorará mais tempo a recuperar: meia dúzia de anos nas zonas onde voltar a ditadura do eucalipto ou algumas décadas onde se tiver a inteligência de reflorestar com espécies adequadas ao nosso ecossistema.
Daniel
Este ano participei no concurso mais até para dar visibilidade à crónica do que para ganhar. Sabia que um auto-retrato tão deliberado (selfie stick e tudo!) dificilmente passaria no crivo dos juízes. Contudo acho que os vencedores até foram bem escolhidos.
Quanto à forma…
A forma física nem sempre acompanha a genica das ideias para novas doideiras. Mas não é por isso que, no final, elas se deixam de se fazer!
A forma literária está a passar por uma altura complicada e esta crónica não ajudou. Veremos se vou a volta à coisa.
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Obrigado a todos por comentarem e espero, sinceramente, ter dado um pequeno contributo para que não se esqueça e não se repita o que se passou na Freita este ano.