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Há doping e...doping!

osicran

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Há trinta e tal anos atrás, não havia trocado ainda definitivamente a bola redonda pelas duas rodas das bicicletas, comprazia-me eu a tentar marcar golos nas balizas dos adversários da equipa onde nesse tempo dava os meus pontapés. Escalão de juniores, nada de gigantes da bola, uma equipa modesta de um clube de província, uma equipa dos regionais, daquelas onde se jogava pelo amor à camisola e pelo puro prazer de jogar...
Naquele ano a campanha ia fraca. O conjunto até que nem era mau de todo, mas algumas lacunas, nomeadamente a falta de um guarda-redes minimamente capaz, iam pondo tudo a perder domingo após domingo e a equipa afundava-se paulatinamente na classificação. No final da 1ª volta ocupávamos a última posição e notava-se já aqui e ali alguma quebra anímica de alguns atletas a quem ia faltando ânimo e genica para dar o desejado grito de Ipiranga que fizesse reverter a situação. Por outro lado, a acompanhar a desdita da gesta futebolística, também o Inverno ia rigoroso e arrastava consigo uma significativa abstinência aos treinos que, naturalmente, trazia como consequência uma quebra física dos atletas que se via crescer jogo a jogo. Os jogadores arrastavam-se, a equipa perdia. Não estava fácil...
Que fazer?...
Um dos futebolistas, defesa central maior em ideias do que a dominar o esférico, atirou um dia em conversa que na Venezuela, onde um familiar era pugilista famoso, se conseguiam uns comprimidos milagrosos - diziam que era doping - que faziam das fraquezas forças...e que até se constava que o tal primo pugilista tinha certa vez vencido um importante combate por retumbante KO numa altura em que, não fossem os tais comprimidinhos secretos, ele é que tinha ficado verdadeiramente a ver estrelas...
A coisa entusiasmou a rapaziada. Aquela ideia de fazer das fraquezas forças, de correr que nem galgos, de chutos fortes, de golos, de vencer...
Aquilo arranjava-se, o defesa central ficava encarregado dos contactos, tudo caladinho, talvez aquilo até fosse proibido...
Estávamos no princípio de Janeiro. O campeonato tinha sofrido a prolongada paragem das festas natalícias e da passagem de ano e preparava-se para o início da 2ª volta, altura ideal, portanto, para iniciar nova vida...
Eram grandes as nossas esperanças, claro. Verdadeiramente acho que nenhum de nós se via mesmo a chegar ao topo da classificação, mas que aquilo ia dar uma grande volta, ai isso ía...adeus bombo da festa, isso era ponto assente!...
Um dia, o defesa central chegou cabisbaixo. Tudo perdido!... E contou...
A tentativa de fazer vir lá da América do Sul os tais comprimidos milagrosos revelara-se desastrosa, o plano falhara. O primo pugilista recebera a carta, sim senhor, mas indignara-se com o pedido, fizera um chinfrim desgraçado e abortara indecentemente os projectos de futuras vitórias da nossa equipa... de modo que, naquele fim de tarde à volta da mesa de matrequilhos o desânimo era evidente... (Continua)
 

osicran

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Meus amigos, o (excelente) post do Tarmacevora sobre a história do doping trouxe-me à memória uma velha "estória" da minha juventude à qual acho uma certa piada. É uma história caricata, nada de sério como o post do Tarmacevora, mas que também permite uma apreciação do fenómeno do doping sob uma perspectiva diferente daquela pela qual é abordado habitualmente. No final perceberão melhor o que quero dizer. Propus-me contar aqui a "estória", mas como o estou a fazer directamente sem qualquer tipo de rascunho, isto torna-se demorado, pelo que mais tarde contarei a parte final.
 

fogueteiro

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Epá, continua a história, porque para mim foi um prazer lê-la até aqui, e admito que tenha ficado com um amargo de boca ainda não saber o desfecho. Sinceramente que em certas partes, até me ri sózinho, a imaginar-vos no "filme"...
 

fuel100

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A "estória" só é excelente porque o modo de a contar é brilhante.
Parabéns pela escrita, e continua, porque "Português" deste, sem desprimor de todos os outros companheiros de escrita, incluindo eu, não é todos os dias.
Então como é que acabou?.
Cá para mim, os comprimidos milagrosos, eram placebos e a força está é nas nossas cabecinhas.
 

osicran

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Tudo por água abaixo... até custava a acreditar!... E agora, com tão brilhante recuperação assim arrasada sem mais nem menos por um golpe baixo do tipo dos murros, como iria ficar o moral da malta?...
O defesa direito balbuciava... que tinha ouvido dizer que uma copázia de vinho branco com açúcar...vinho fino com mel e café, isso sim, isso é que parecia que dava um resultadão, asseverava o médio esquerdo...
Um golpe, um rude golpe, tempos difíceis se adivinhavam e tudo parecia perdido no desanimado descer das escadas da sala dos matrequilhos...
Os dias foram passando. Nunca soube como a fracassada tramóia chegou aos ouvidos do massagista, mas no domingo seguinte, bem antes do jogo, notei-lhe o ar conspirativo, os pequenos gestos, os olhares rápidos, os silêncios inabituais. Adivinhei que algo se passava, um piscar de olho discreto como convinha, chamou-me de parte e disse... depois, um a um, puxados de lado pelo mesmo braço cúmplice, fui vendo o brilho nos olhos dos outros - pareceu-me mesmo vislumbrar no rosto do defesa central um rasgado sorriso de alívio - que, contada ao ouvido, iam sabendo da marosca redentora. Afinal, parecia que havia mais mundo...
Naquele dia, essa é que era a verdade, a equipa parecia outra... a equipa transfigurara-se, corria, lutava... a equipa marcava, a equipa não sofria... a equipa ganhou!... E ganhou mais vezes, muitas mais vezes do que ganhava antes, a equipa sentia a confiança, o vigor novo, a alma renovada...
A equipa terminou no meio da tabela, muito longe do saco de pancada que fazia a alegria dos adversários na 1ª volta e muita gente naquele grupo jurava secretamente que aquele tom esbranquiçado da água dos termos e do chá nunca soube de quê que tomávamos ao intervalo tinha tudo a ver com a reviravolta.
Um dia, campeonato há tempos já nos anais da história, ainda lembrado de alguma frustração pessoal por nunca me ter sentido seguro daquele acréscimo vital que tanto ouvia os meus pares elogiar às escondidas, atrevi-me a questionar, ainda que a medo, o massagista sobre a verdadeira essência daquela coisa milagrosa que até fazia efervescência nos termos da água. O massagista, homem já maduro no seu empirismo da vida, sorriu, fez-me um sinal com dois dedos a fechar os lábios e segredou-me baixinho... Vitamina C, Cecrisina!...
 

osicran

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Meus caros, "estória" concluida. Agradeço ao Fogueteiro e a Fuel 100 as palavras que, naturalmente, só posso atribuir à vossa gentileza. Acredita, Fogueteiro, que ontem à noite também eu me ri sózinho e de vontade a recordar a "estória". Está ali estampada o mais fielmente de que fui capaz toda a ingenuidade dos desasseis ou dezassete anos daquele tempo em que não havia computadores nem gadgets e a nossa malandrice se traduzia em coisas muito mais simples. Então aquela parte em que planeámos mandar vir as bombas da Venezuela... só vivida, hoje é de partir a rir. Quanto ao Fuel 100, adivinhaste o final e de alguma maneira a mensagem que está subjacente a esta "estoria" real, mas que podia perfeitamente ser inventada para ilustração da outra faceta do doping, o efeito psicológico.
 

Figueiredo

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Muito bom esta história, eu sou muito mais novo e ainda me lembro do sabor do chazinho que se bebia ao intervalo:), para aquecer nos dias de frio, e como recompensa no final um corato e uma sumol de laranja...
 

osicran

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Muito bom esta história, eu sou muito mais novo e ainda me lembro do sabor do chazinho que se bebia ao intervalo:), para aquecer nos dias de frio, e como recompensa no final um corato e uma sumol de laranja...

Nunca soube de que era feito aquele chá e na verdade já nem me lembro do sabor, a não ser naquela fase em que passou a levar as pastilhas de Cecrisina que nós acreditávamos que era o tal doping que nos fazia correr que nem cavalos...:D mas a Sumol no fim estava lá sempre:D, os couratos é que não, porque aqui na minha zona não tinham (têm) tradição. Nos jogos em casa era uma sandes de queijo ou...nada e nos jogos fora o costume era parar no primeiro tasco que encontrássemos à beira da estrada e então aí era a habitual Sumol e as sandes de queijo. Mas também havia quem se empanturrasse de pastéis de nata regados a vinho ou a cerveja e até com um bagacinho por cima antes da cigarrada, tudo com a complacência do pagador,:eek: o dirigente que nos acompanhava, putos de quinze, dezasseis, desassete anos... Era assim naquele tempo e dali sairam casos de alcoolismo grave. De resto, prémios de jogo?... Um dia empatámos com o líder, o nosso vizinho e grande rival Avanca e recebemos vinte escudos...:D Uma festa!...
 

fogueteiro

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osicran (Narciso?), e pessoal

Realmente, o aspecto psicológico é altamente influenciador no nosso comportamento. Quem já não ouviu dizer que o frio e o calor é psicológico? Pessoalmente não concordo, mas que tem influência lá isso tem. Eu também tenho uma história em que o psicológico é fundamental. Há cerca de 8 anos fiz, a solo, Porto - Vila de Rei (distrito de Castelo Branco). Saí por volta das 5,30 cheio de vontade. As horas foram passando, e as forças se esgotando, até que cheguei ao início do último, e mais complicado sector do percurso: Subir até Figueiró dos Vinhos, Cernache do Bonjardim, Sertã e finalmente Vila de Rei. Já tinha entrado naquele estado em parece que já não sentimos dor, nem sofrimento, mas o certo é que o desânimo começava a apoderar-se de mim e a consumir as últimas forças que me restavam, e ainda faltavam 70 kms. Parei, por uns momentos, para poder retemperar as forças, e aproveitei para fazer planos. A coisa já não ia com barritas, sandes de queijo, nem mesmo uma valente feijoada. Pensei, pensei, e finalmente me lembrei daquele ditado popular que reza assim: "Quem canta seus males espanta". E assim, montei e novamente comecei a pedalar, mas desta vez comecei a cantar alto e bom (?) som. Ao passar pelas poucas pessoas que vi na rua, não baixei o tom, nem me preocupei com a minha falta de jeito para cantar, mas sim mantive a minha postura, para espanto delas. Não senti vergonha, nem receio que me criticassem, simplesmente queria chegar. Os últimos 50 kms foram feitos, a bom ritmo, e para espanto meu já tinha chegado ao destino. Meus amigos, este foi um doping diferente do anteriormente mencionado, mas que resultou, lá isso resultou. Já o experimentei, noutras situações e novamente funcionou. Experimentem... e depois digam alguma coisa.
 
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ivan

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eu tenho algo semelhante durante duras subidas simplesmente ouço na minha mente musicas que gosto e a dor atenua pois não tamos concentrados mais nela. Este ano tem sido difícil tive muito tempo parado e já foi apanhado por 3 quebras de açúcar, sempre regresso a casa mas cheio de dores e ai nem a musica ajuda. com um pouco de treino irei ultrapassar isto, ainda vamos no inicio do ano
 

osicran

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Fogueteiro:D:D:D Já conhecia algumas formas de auto-motivação, mas essa não conhecia...:D A verdade é que a nossa parte psicológica é um mundo e tem muito mais poder do que às vezes julgamos. Nós é que nem sempre a usamos a nosso favor...
 

cokenim

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Conto-lhes o meu método bem natural.Imagino como prémio á minha espera no alto da subida,normalmente o Montejunto uma Playmate do mês actual.Garanto-vos que enquanto a imaginam dos pés á cabeça acaba a subida e não é que no fim tem-se mesmo prazer! Há doping mais saudável?
 

fuel100

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stress: Da subida estamos conversados.
Mas sem encontrares, de facto, a Playmate lá em cima, hás-de contar aqui ao pessoal, é como te corre a descida.UUUIIIII!!!!!:D:D
Agora a sério:
Estabeleço várias metas: pontos de referencia na paisagem junto à estrada e pedalo sem olhar para ela à distancia, nem para a meta escolhida. Quando passo por ela, olho outra vez para a frente e estabeleço outra meta e assim sucessivamente até atingir o final da subida.
Quando a dificuldade é grande, o método é conseguir pequenas vitórias até atingir o objectivo final. Tanto na bike como na vida, é igual.
 
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SLM

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Gosto de subir. É um facto. Não quer dizer que não sofra e sem dúvida que a dor aumenta se estou constantemente a olhar/pensar no que me falta. Tiro maior rendimento, quando esvazio a cabeça e me foco na cadência. Quando dou por ela, chego ao destino.

Quanto à ideia da playmate...:D
 

osicran

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Conto-lhes o meu método bem natural.Imagino como prémio á minha espera no alto da subida,normalmente o Montejunto uma Playmate do mês actual.Garanto-vos que enquanto a imaginam dos pés á cabeça acaba a subida e não é que no fim tem-se mesmo prazer! Há doping mais saudável?

É pá, mas olha que isso também pode funcionar ao contrário e ser muito desgastante...:D:D
 
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