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Breve história do "blood doping"

DMA

Well-Known Member
Introdução e a questão fisiológica:

Quando falamos de doping, temos que perceber as bases fisiológicas do mesmo, caso contrário estamos a discutir sem base de suporte.
Num desporto de explosividade e força como os 100m o tipo de doping mais eficaz, será diferente do doping num desporto de fundo ou endurance como o ciclismo, os 10k ou uma maratona.
Há drogas que serão usadas nas duas situações, mas os objectivos a atingir são diferentes.

Esteróides anabolizantes são a peça chave nos primeiros.
Nos de endurance, drogas (ou métodos) que aumentem o número de eritrócitos são as mais importantes. No ciclismo por exemplo esteróides anabolizantes são usados muito mais com o objetivo de acelerar a recuperação e prevenir lesões, do que para aumentar loucamente a força e massa muscular (em pista já não será assim).

O limite de hematócrito no ciclismo está colocado nos 50%, o que equivale grosso modo à uma concentração de hemoglobina de 165 g/l

A federação de Ski (FIS), que também tinha em mãos suspeitas claras de uso de doping, estabeleceu o limite em 185 g/l , logo permitiu valores mais altos que no ciclismo. Mais tarde reduziu esse valor para 175 g/l (valores para homens)

Há que deixar bem claro então, que quando tenta-se aumentar as capacidades dum ciclista, o mais eficaz é de longe aumentar o seu hematócrito.

O hematócrito, nada mais é que a indicação da percentagem de eritrócitos (glóbulos vermelhos) em relação ao volume sanguíneo.
Quanto mais glóbulos vermelhos, mais hemoglobina, logo maior capacidade de transporte de O2.
Cada molécula de hemoglobina pode transportar 4 moléculas de O2. A hemoglobina corresponde a cerca de 96% do peso seco dum eritrócito e a 35% do peso hidratado do mesmo.

Um aumento do número de eritrócitos terá como efeito uma maior capacidade de transportar O2.
Sabendo que o VO2 máx nada mais é que a capacidade máxima de utilização de O2 por parte de um indivíduo, expressa em ml/(kg.min) , é facilmente compreensível o impacto deste tipo de doping. Um atleta que passe dum hematócrito de 42% para 57% verá o seu VO2 máx subir (significativamente).

Há que entender que por este motivo, drogas famosas como a cortisona, o Clembuterol, Nandrolona, Aicar, GW1516, THG (a do caso BALCO), Hemopure, entre muitas outras, têm efeito.
Mas não é comparável ao uso directo de EPO ou às transfusões. Ou qualquer outra droga ou método que possa estimular a formação de eritrócitos e que ainda não seja conhecido.

Esse conceito deve ficar bem assente, senão o resto não faz sentido.

As transfusões embora eficazes, eram pouco práticas e acarretavam bastantes riscos, comparativamente à EPO.
A técnica de colheita, o armazenamento, o tipo de anticoagulantes, o tempo de armazenamneto eram fundamentais para a eficácia do método. Se os eritrócitos não sobrevivem numa taxa satisfatória, a transfusão tem pouco interesse.
Há também a questão de trocas entre “sacos” que seriam destinados a diferentes atletas, e as possíveis reacções que tal causa.
No caso do sangue não ser do próprio, apenas dum dador compatível, há sempre a hipótese de pequenas reacções, o que para um atleta em prova ou fase de treino é sempre inconveniente.

Mas antes da EPO era uma forma de aumentar quer o volume sanguíneo, que o número de eritrócitos, ambos com efeito marcado na performance.
Mesmo com o advento da EPO, pensa-se que continuaram a ser usadas transfusões, em Gts por exemplo. A EPO estimula a formação de eritrócitos, mas tal não é imediato. Com o decorrer de provas tão longas e duras o hematócrito desce. Um transfusão sobe de imediato o número de eritrócitos.
Fala-se em transfusões de 1 à 2 unidades, sendo cada unidade equivalente à aproximadamente 450 ml.

Assim sendo com o aparecimento da EPOr, os fisiologistas ganharam um veículo para facilmente contornarem os problemas e dificuldades associados às transfusões. E para consegurem levar os níveis de hematócrito para novos patamares.
 

DMA

Well-Known Member
Anos 70 e 80

Um dos primeiros casos realmente estabelecidos em que há poucas dúvidas que houve transfusões, está ligado aos soviéticos nos JO de Montreal (1976).
Há especulação que o finlandês Lasse Virén, também o fazia. Virén foi medalha de ouro nos 5k e 10k em Munique (1972) e ganha novamente as duas provas em Montreal (1976), fazendo WR nos 10k.

No ciclismo as primeiras descrições sobre transfusões remontam à Francesco Moser. Em Janeiro de 1984, bate o Record da Hora de E. Merckx e 5 dias depois bate o seu próprio record.
Não é novidade que Moser trabalhava diretamente com Conconi da Universidade de Ferrara, onde tinha como assistentes mais afamados Michele Ferrari e Aldo Sasi.
De referir que nessa altura, as transfusões não eram proibidas pelo COI, ou pelo CONI (Comité Olímpico Italiana).

Um dos treinadores responsáveis pelos atletas de 800m e 1500m (atletismo), de nome Sandro Donati, fez queixa das práticas de Conconi ao CONI.
Paradoxalmente o CONI não tomou qualquer medida e ainda despediu Donati. O que mostra bem que as questões éticas estão longe de ser a principal fonte de motivação para muitos organismos deste tipo.
Mas Donati não esteve com meias medidas e levou o caso ao Parlamento italiano, que em 1985 declara as transfusões ilegais.
Em 1986 o COI também proíbe as transfusões, embora não houvesse como realizar controles. Basicamente só uma rusga que apanhasse alguém com a boca na botija serviria para incriminar um atleta, o que convenhamos era duma probabilidade infinitesimal.

No mesmo período temporal, os USA que não ganhavam nenhuma medalha olímpica no ciclismo desde 1912, ganham nos JO de Los Angeles (1984) nove medalhas, sendo 4 delas de ouro.
Cinco dos medalhados e 3 não medalhados, confessaram mais tarde, terem terem recebido transfusões.
Como curiosidade uma das atletas que afirma ter recusado transfusões foi Connie Carpenter, mãe do Tayler Phinney.

Ainda no ano de 1984, Ferrari começa a trabalhar com a equipa GIS de Moser.
Moser nesse ano ganha a Milão – São Remo e o Giro. Como curiosidade, vejamos os resultados anteriores de Moser no Giro. Desistiu em 1980, foi 21º em 1981, 8º em 1982 e desistiu em 1983.

Em 1986 Moser muda de equipa e Ferrari junta-se à ele. Mais tarde essa equipa chamar-se-á Château d'Ax. Em 1989 nessa equipa passa a treinar Tony Rominger.
Quando Ferrari sai da equipa, Rominger contrata-o como treinador pessoal.
No final de 1994, Tony Rominger bate o record da hora de Moser.
Em 1994 depois dum domínio brutal da equipa Gewiss (do qual falarei adiante), e após o seu infame cometário sobre a comparação entre EPO e sumo de laranja, Ferrari deixa de trabalhar com equipas e passa a trabalhar em exclusivo com atletas.

Para mim, parece claro que há um primeiro período temporal em termos de doping com vista a aumentar a quantidade de eritrócitos dos atletas. Nesse período o doping era feito basicamente por transfusões. Este período começará perto de 1972 e vai até algo como 1990-92 (é claro que os limites não são exactos).
 

DMA

Well-Known Member
Os Loucos Anos 90

Entra-se então numa nova “fase”.
A altura exacta do iníco da utilização não é clara.
Parece plausível, que em 1993 a EPO sintética (EPOr ou rhEPO) já faria parte do arsenal dos fisiologistas e médicos de topo como Ferrari, Cecchini, etc.

Testes aos níveis de hematócrito só serão implementados em 1997, logo este período do início dos anos 90 até 1997 é o período de maior loucura do ciclismo, a era dos ciclistas “60%”.
O COI já tinha proibido o uso de EPO desde 1990 e a UCI desde 1991, mas tal como as transfusões, não havia forma de detectar as infrações.
Testes para detecção da EPO na urina só aparece em 2002. Isso no ciclismo. A WADA já tinha feito testes para despiste de EPO nos JO de Sydney (2000).

O valor de 50% fica estabelecido, tendo sido aprovado em Janeiro de 1997. Supostamente o valor deveria ser imposto na Milão – São Remo de 1997 (22 Março), mas não consegui apurar se tal realmente aconteceu.
Os limites, caso ultrapassados, não originavam castigo. O atleta era obrigado a parar por “motivos de segurança”, até que o valor ficasse abaixo dos 50% novamente. Foi o que aconteceu à Pantani no Giro de 1999.
Apenas a confirmação da presença de EPOr dará castigo, mas como já referi, tal só passou a acontecer depois de 2002.

Segundo o “The European”, (12-18 Dezembro 1996), 20 ciclistas faleceram pela provável utilização de EPO.

Sandro Donati - o que levou a questão das transfusões ao Parlamento Italiano - referiu que os médicos cobravam entre 50 000 à 100 000 USD pela administração de EPOr (valores anuais por atleta).

Um estudo de 353 ciclistas que competiram no Tour entre 1980 e 1986 (antes da existência da EPOr e com as transfusões ainda muito restritas a poucos atletas), indicam uma média de hematócrito de 43% e uma gama de valores que variam entre os 39% até aos 48%

Para termos noção da loucura que alguns atletas andavam a praticar entre 93-96 (e talvez antes) deixarei aqui alguns valores de hematócrito (em %).
São dados obtidos por um Procurador italiano e que são de ciclistas da equipa Gewiss. Os primeiros valores são de Dezembro de 1994 ou Janeiro de 1995 (consoante os atletas).
Os segundos são de Maio de 1995 (em alguns casos Agosto de 1995).

Bruno Cenghialta: 37,2 » 54,5 (11º Giro 1995)
Giorgio Furlan: 38,8 » 51
Piotr Ugrumov: 42,8 » 60 (há sites que indicam o valor inicial como 32,8!) » 2º Giro 1995
Alberto Volpi: 38,5 » 52,6
Yewgeni Berzin: 41,7 » 53 (2º Giro 1995 e vencedor do Giro 1994)
Riis: 41,1 » 56,3
Gotti: 40,7 » 57

Ferrari era o treinador da equipa até 1994 e não é claro que relacionamento manteve com os atletas acima citados após a sua saída.
Cecchini que foi discípulo de Conconi tal como Ferrari, estava bastante ligado a Riis por exemplo.
Claramente estes dois discípulos de Conconi estão intimamente ligados aos casos mais absurdos de uso de EPO que há conhecimento público.

A equipa em 1993 chamava-se Mecair, e nesse ano Ugrumov foi 2º no Giro a 58'' de Indurain.


Em 1994 (a equipa passa a chamar-se Gewiss).
Y. Berzin, que só faria 24 anos no final do Giro, e que teve uma época de 1993 inexistente, em 1994 faz:

2º Tirreno (Março)
2º Giro Trentino (Abril)
1º Liège – Bstogne – Liège ( 17 Abril)
3º Flèche Wallonne (20 Abril)
1º Giro Itália (22 Maio – 12 Junho)

Ao vencer o Giro espeta 2'51'' ao Pantani e 3'23'' ao Indurain

Aconselho vivamente a quem quer ter uma boa noção do nível de performance a verem o vídeo da fuga de 3 ciclistas da Gewiss na Flèche de 1994. Acho que nunca vi nada igual. E ter em atenção que um dos ciclistas era precisamente Berzin.

(procurem no YouTube por: Fleche 1994 EPO Attack)

Ou seja, ganha a LBL, dias depois sai do pelotão numa clássica com uma facilidade aterradora, e um mês depois vai ganhar o Giro, limpando dois CRI no processo. Depois desta edição do Giro, Indurain já não tenta mais repetir “a graça” de fazer Giro e Tour na mesma época.

Em 1995 os atletas de Ferrari e Cecchini estiveram em grande novamente.
Ocupam o pódio do Giro com, Rominger, Berzin e Ugrumov (1º, 2º e 3º respectivamente).

Riis, viria a fazer 3º no Tour de 1995.
Nessa edição do Tour, a equipa Gewiss de Riis, ganhou o TTT (64 km). Riis foi 2º no segundo CRI (54 km, ficando à 12'' de Indurain) e foi 2º no terceiro CRI desse mesmo Tour (46 km, ficando à 48'' de Indurain).

A equipa Gewiss teria também 5 ciclistas no Top 30 do Giro de 95.

E em 1996 Riis viria a ganhar o Tour, fazendo a famosa Etapa 16 no Hautacam. Vale a pena ver pela displicência com que Riis anda na frente do grupo, depois vai atrás, inspeciona tudo e todos , bebe um bocado de água e descarrega toda a gente com uma facilidade inacreditável.
Muito ao estilo da Gewiss na Fleche de 1994.

(https://www.youtube.com/watch?v=2OBrmC6pUNE)

A subida Riis nessa edição é 2'25'' mais rápida que a subida de Nibali em 2014. Indurain que estoura nessa subida e parece que vai a morrer, ainda assim é 17'' mais rápido que Nibali em 2014.
Os 25 melhores tempos dessa subida, são ou de 1994 ou de 1996. Há apenas uma exceção, um tempo de Lance Armstrong em 2000.

Riis era muito ligado à Checchini, outro dos discípulos de Conconi, tendo também trabalhado com Jan Ullrich.
Ullrich, que nunca tinha feito um GT, faz 2º atrás de Riis no Tour de 1996, o seu GT de estreia , com apenas 22 anos de idade)
E vence a edição de 1997 (23 anos).

Atletas de Checchini limpam o pódio da prova de estrada dos JO de Atlanta. Eram eles Pascal Richard, Rolf Sorensen e Max Sciandri (ouro, prata e bronze, respectivamente).

Quando Riis passou a ter responsabilidades na CSC, levou Checchini consigo.

Checchini viria a trabalhar com Tyler Hamilton, Petacchi, Basso e Cancellara.

Outro dos casos extraordinários em que há dados é o de Marco Pantani.
Pantani em 1995, tem hematócrito com valores que variam entre 60% à 64% conforme as descrições e fontes. A concentração de hemoglobina nos relatórios médicos depois do seu acidente em 1995 era de 208 g/l (limite UCI de 1997 são aprox. 165 g/l).

Com a introdução do limite de 50% no hematócrito, com certeza continuou a existir uso de EPOr.
É bastante provável, que por volta de 1998 houvesse o uso de agentes como o Dextran 70 ou HES para aumentar o volume sanguíneo.
Com maior volume, consegue-se ter mais eritrócitos, sem ultrapassar a percentagem limite.
O HES causou bastante polémica, principalmente por um caso que envolveu atletas finlandeses de ski.
Um saco com a substância foi encontrado em Helsínquia, junto com material médico e receitas assinadas por um médico ligado à Federação.
Seis atletas finlandeses medalhados em Nagano (Japão 1998) admitiram terem se dopado.

É bem provável que fisiologistas e médicos de topo ligados ao ciclismo estivessem a usar esta substância ou algo de semelhante.

E na ausência de passaporte biológico, as transfusões durante os GTs teriam bastante utilidade também.
 

DMA

Well-Known Member
2008 e o Passaporte Biológico

Havia que confrontar o problema. Mas tal não era fácil. Não havia forma de identificar transfusões.
Não havia teste que identificasse a EPOr.
Restava tentar controlar os abusos, pois era impossível rastrear minimamente as situações.
E assim foi imposto o limite de hematócrito de 50% em 1997.
Mas tal mostrou-se claramente insuficiente, mesmo quando conjugado com o rastreio directo da EPOr (mais tarde em 2002).
Serviu para limitar abusos descarados e situações de risco para os atletas.

Uma nova tentativa para limitar ainda mais o espectro dos abusos é o passaporte biológico.

A componente sanguínea do passaporte baseia-se em seguir com várias medições, durante um período temporal largo, o valor de reticulócitos, a concentração de hemoglobina e também num índice matemático calculado com base nesse valores (chamado Off Score).
E usando estes valores, fiscalizar se o atleta tem oscilações bruscas nesses indicadores.

O método é inteligente pois ao invés de ir pesquisar directamente os agentes dopantes, procura por indícios da sua utilização.

Os reticulócitos, são glóbulos vermelhos imaturos. Ficam nesse estado durante aproximadamente um dia. A sua taxa num adulto normal anda entre 0,5% e 1,5%.
A utilização de EPO vai aumentar bastante o valor dos reticulócitos. Afinal para termos mais eritrócitos, temos que ter mais quantidade do seu precursor, que são os reticulócitos.

Caso haja retirada de sangue para posterior transfusão o valor dos reticulócitos irá subir nos próximos dias.
É totalmente lógico. Se retiramos sangue perdemos eritrócitos, e o organismo vai compensar essa perda criando novos eritrócitos. Logo tal como no caso anterior teremos mais reticulócitos (os precursores dos eritrócitos).
No caso duma transfusão, a taxa de reticulócitos desce, por um efeito de diluição. E também por o organismo diminuir a formação de eritrócitos (logo menos reticulócitos).

Logo oscilações bruscas do valor de concentração de hemoglobina, em conjunto com valores suspeitos de reticulóctios, irão dar indicações de possível doping.

Para evitar falsos positivos, que seriam facilmente contestados à nível legal, houve a imposição de limites que já se sabem serem relativamente largos.
O nível de probabilidade estabelecido é de um falso positivo em cada 1000 ensaios (99,9 %).
Um índice de 99% por exemplo seria facilmente impugnado a nível legal, embora limitasse mais o abuso das praticas que já discuti.
Tal também acontece em medicina forense, em que o grau de probabilidade de falso positivo tem que ser extremamente baixo, ou então não aguentará como veículo de prova em julgamento.

Ao existir um espectro tão amplo de valores, é claramente possível, manipular os índices fisiológicos do atleta, por forma a estarem dentro das balizas estabelecidas pelo passaporte biológico.
Muito provavelmente tal será realizado utilizando práticas de microdosagem e ensaios por partes das próprios médicos e fisiologistas das equipas de forma a garantir que os atletas estão próximos do limite de 50%, sem oscilações bruscas nos parâmetros medidos pelo passaporte.

É evidente, que com as técnicas actuais, não há como impedir na totalidade a manipulação dos valores de eritrócitos.
O que é possível é limitar o seu uso, e nivelar o “terreno de jogo”, por forma a que não haja discrepâncias brutais entre atletas.

Obviamente há críticas a apontar ao sistema, pois ao existir um painel de avaliação há sempre a hipótese de corrupção e de erros. Mas parece-me claramente uma evolução relativamente ao “vale tudo” existente nos anos precedentes.

A aplicação do passaporte, permite que os valores voltem a ter novamente algum contacto com aqueles que são os valores fisiologicamente aceitáveis.
E dificulta muito a existência de transfusões durante os Gts.
 

DMA

Well-Known Member
Em resposta aos pontos de vista do Mig77 e do Memento neste tópico:

http://www.forumciclismo.net/showthread.php?13196-Tour-de-France-2016/page10

Mig77 e Memento, acho que não ficou claro o que eu quis transmitir no tópico acima citado.
Eu nunca disse que agora os rapazes actuais andam a pão e água.
O que eu referi no outro post, e reforço neste, é o facto de o doping a nível de manipulação dos níveis de eritrócitos, já não poder ser feito como era em outros tempos.

Continua a ser possível colar o valor aos 50% através de microdosagem » Estou de acordo e o referi no tópico do Tour, desde o início, disso há poucas dúvidas.

Continua a ser possível usar drogas que ainda não são dectáveis » totalmente de acordo. A questão é que essas drogas não podem manipular o hematócrito acima dos 50%. Drogas que não actuem sobre o hematócrito serão eficazes, mas nada comparável à manipulação directa do hematócrito.

O uso de transfusões durante um GT nas quantidades anteriormente utilizadas fica muito dificultada ou até impedida. Se houver o uso será de volumes sanguíneos muito pequenos, logo o impacto no hematócrito muito inferior a quando andavam a fazer transfusões de 1 ou 2 unidades.

E isso tem um impacto enorme sobre como se corre os últimos dias dum GT.
Para mim é o maior motivo pelo qual vemos bastante fadiga nas últimas etapas dos GTs

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Há que não esquecer que hoje em dia os conhecimentos de fisiologia estão muito explorados e banalizados. Toda agente usa um PM. Os métodos de recuperação, alimentação, treino, estão muito nivelados.
E com os hematócritos balizados também há pouca margem para grandes discrepâncias entre atletas.

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Atenção que eu nunca disse que antigamente andavam todos dopados até às orelhas.
Os atletas de topo (os tais que davam um show do c#ralho), os que trabalhavam com os melhores fisiologistas e médicos é que andavam assim.
Numa fase inicial, quer das transfusões, quer da EPO, claramente os atletas com ligações à "Conconi & companhia" tinham claramente performances acima da média.
Com o difundir de informação e práticas, é normal que o terreno de jogo fosse ficando mais nivelado.
Mas numa fase inicial, claramente havia algo mais nestes atletas.

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Mig77, em relação às médias.
Acho que usar as médias para comparação é pouco útil.
A média é altamente variável com o percurso.
E a média é basicamente feita pelo pelotão, não pelos chefes de fila.
Como eu já expliquei, nem todos os atletas tinham acompanhamento de topo.
Logo a velocidade do pelotão, não reflete a velocidade dos chefes de fila, e principalmente dos tubarões que andavam com os melhores "kits".
De qualquer maneira, as 3 velocidades mais rápidas de sempre são da fase anterior ao passaporte biológico.

Mas quero realçar, para que não passe uma má ideia.
É muito provável que a maioria dos atletas actuais usem microdosagem para estarem colados nos 50%. Os chefes de fila e atletas mais importantes com certeza o farão.
Um pelotão inteiro com atletas quase nos 50%, com os desenvolvimentos a nível aero dos últimos anos e todos os outros "marginal gains" tem obrigação de ser razoavelmente rápido, em termos de velocidade média.

Se queres ver a brutalidade do que eram os motores daquele tempo, vê os tempos de subidas ao Alp d'Huez em que há n vezes em que a subida foi final de etapa, e há uma extensão enorme de tempos para analisar.
A diferença de tempo entre um Pantani e um Quintana ou entre um Froome e um Indurain é algo de fantasmagórico.
No Hautacam podes ver o mesmo padrão.
 

otnemeM

Member
DMA, podes ter entendido como tal, mas nenhum dos meus posts tinha em vista contrariar o espírito de algo que tu tenhas dito. Em geral concordo com quase tudo.
 

Bernalve

Well-Known Member
Com o passaporte biológico pensava que a regra dos 50 já não existia. Mas assim os ciclistas mais malucos mantinham durante um ano inteiro valores a 60% eheh

Existe algum tipo de alimentação que faça aumentar o hematocrito?Nunca se falou de algo assim acho eu, mas seria interessante haver mais informação sobre isso.
 

Duke

Well-Known Member
Who cares?

se ninguém se importa com o futebol... porque é que levam os restantes desportos tão ao ridículo?

Será uma questão de milhões?


Pois te digo... se eu tivesse muitos muitos muitos milhões criava uma liga de ciclismo onde era permitido tomar todas as bombas que quisessem em que o espectáculo era garantido e carro vassoura seria um carro funerário :D
 

jpacheco

Well-Known Member
Excelente contributo DMA. Demorei um bocadinho e fui ver alguns videos que recomendas-te e numa tarde de sabado aos poucos com várias interrupções fiquei a entender toda esta recente evolução do Doping no ciclismo.

Thanks!
 

lgass

Well-Known Member
Pois te digo... se eu tivesse muitos muitos muitos milhões criava uma liga de ciclismo onde era permitido tomar todas as bombas que quisessem em que o espectáculo era garantido e carro vassoura seria um carro funerário :D

irresponsabilidade! agora imagina que um filho teu queria ser ciclista profissional e para conseguir ser competitivo, por muito bom que fosse, teria que fazer isso!
 

Duke

Well-Known Member
irresponsabilidade! agora imagina que um filho teu queria ser ciclista profissional e para conseguir ser competitivo, por muito bom que fosse, teria que fazer isso!

com a quantidade de "bombas" que os jogadores de futebol tomam muitas vezes até vêm nos jornais descriminado que tomam substancias dopantes para recuperarem mais rápido de lesões... fora aquelas que ninguém sabe... não deve ser assim tão perigoso...

o desonesto é uns estarem num patamar acima dos outros!
 

grouk

Active Member
Antes demais congratular o excelente trabalho neste post

Doping ou utilização de substancias proibidas que melhorem a prestação física… tanto que havia a dizer, eu acho que esta questão vai mais longe que EPO ou transfusões, produtos para recuperar das lesões, para acelerar a recuperação, para perder peso, até mesmo os comprimidos para dormir que todo o ciclista toma, desde que proibidos são doping.
Até a caravana que a sky tentou utilizar este ano no Giro, sendo proibido é doping e porquê? Porque recorre a algo proibido para retirar vantagem.
E neste momento é ai que estão os" marginal gains", micro dosagem e andar no limite da legalidade, nos 50% estão todos, se calhar até mais um bocadinho de vez em quando, mas tenho quase a certeza que muita coisa que está ainda no limbo da legalidade que é usada.


À uns anos atrás o comité olímpico norte americano encomendou um estudo sobre doping a uma qualquer universidade. Lembro me de algumas conclusões.
Foi perguntado aos atletas se ao tomarem um comprimido este lhe garantisse uma medalha mas ao mesmo tempo lhe retirasse a vida nos próximos 5 anos 90% dos atletas disse que tomaria o comprimido. Isto só para dizer que até a jogar à sueca se o ser humano tiver hipótese de tirar vantagem de alguma forma vai aproveitar.

Outra conclusão que me ficou na memoria foi que quando administrado um placebo aos atletas estes aumentavam a performance física .Ou seja até algo que te ponha ZEN ou com o animo em cima pode criar vantagem.
Até umas ganzas fumavam se isso os ajudasse
 

MigC77

Well-Known Member
DMA, antes demais, quero publicamente referir que aprecio bastante a tua disponibilidade para debater os assuntos sobretudo da forma como o fazes. Sempre tentando aportar dados para justificar as tuas opiniões e sempre mantendo um discurso correcto e respeitoso independentemente de concordares ou não com as opiniões dos demais. Por tudo isso, independentemente de por vezes discordar-mos, fazes parte de um conjunto de users pelos quais tenho bastante consideração e respeito.

Agora falando dos dados que postei anteriormente. A listagem que postei com os vencedores dos TdF, os seus respectivos tempos, diferença para o 2º, etc… dá para perceber o ritmo do líder visto que o tempo que consta da listagem é o do vencedor e não se trata de uma média… Eu quando referi as médias prendia-se com o facto de não se poderem comparar directamente uns anos com os outros… entre outras coisas porque a distancia do percurso total do TdF varia bastante de ano para ano e também por que a própria dureza e natureza do percurso também pode variar mas como este último factor é mais complexo de avaliar optei “simplificar” e referir que fazendo a média (dividindo a distancia total percorrida pelo nº de horas) do vencedor se poderia ver que a que velocidade dos vencedores não varia significativamente.

Em relação ao dopping como já referi inúmeras vezes, nem perco tempo a pensar nisso… Acredito sim que os corredores de topo sempre correram “em igualdade de circunstancias”, sejam elas as que forem… e é por esse motivo que acho que tal como acontecia antes… deveria hoje em dia haver mais combatividade entre eles. Mas uma vez que isto é um negócio e não depende só deles, não se pode apontar-lhes o dedo apenas a eles… alias se calhar por tudo o que eu disse até à data pode ter ficado esse impressão. Mas não acima de tudo culpo os responsáveis das equipas e os organizadores… Nem uns nem outros fazem nada em prol do espectáculo.

Abraço
 

DMA

Well-Known Member
Quero agradecer as palavras simpáticas que me dirigiram.

Sem falsas modéstias, posso dizer que deu-me bastante trabalho escavar informação e material para escrever os os posts. E para redigir um texto mais ou menos interessante.
Mas por outro lado deu-me um certo gozo "investigar" um bocado o assunto e descobrir coisas novas.
Fico contente que tenham apreciado :)

Memento, se quisesses contrariar estavas no teu direito, fundamentando as posições tudo é debatível :)

Bernalve, foi ver melhor e realmente tens razão. Nas "guidelines" que estive a ler em relação ao passaporte biológico não há limite explícito nos 50%. Facilitei um pouco nesse aspecto e pensei que ainda estava em vigor. Tal não é o caso. Mas há ponto que basicamente faz com que o limite seja os 48-50% (aprox). Qualquer valor que fuja aos valores fisiologicamente considerados normais, terão que ser justificados.
Se pegarmos nos dados que coloquei sobre os ciclistas da era pré-BD no Tour, vê-se que o valor médio são 43% e o valor máximo são 48%.
Qualquer valor estupidamente alto -tipo 52%- terá que ser justificado como uma característica inata do indivíduo. Isso já acontecia antes do passaporte biológico, em que certos ciclistas tiveram que apresentar relatórios médicos extensos que demonstrassem que os seus hematócritos bem acima dos 50% eram resultado de características fisiológicas. Porque realmente há pessoas que têm níveis naturalmente altos.

Se quiseres te entreteres um bocado, vê os seguintes links sobre o R. Kreuziger e a questão do as supostas irregularidades no seu PB:

http://cyclingtips.com.au/2014/12/k...stions-about-biological-passport-doping-case/

http://kreuzigercase.cz/documents/

Pode realmente questionar-se se houve ou não manipulação. Na minha opinião sim, mas sou apenas um leigo.
Mas o que podemos ver sem qualquer dúvida é que mesmo havendo manipulação, os valores mais altos atingidos são algo na casa dos 48%. E está em competição muitas vezes com valores de aprox. 46%
Um gajo como ele ia ser deixado completamente pregado na estrada comparativamente a um Ugromov por exemplo.

Em relação à alimentação, não conheço nada em concreto que suba drasticamente os valores. E mesmo que o fizesse a tua EPO natural iria diminuir temporariamente, logo o hematócrito a médio prazo diminuiria novamente para os teus valores "normais", para os quais estás geneticamente programado. O que terá sempre importância é o ferro, principalmente de origem animal, dada a sua facilidade em ser assimilado. Sabendo da importância que o ferro têm na hemoglobina, é importante ter em atenção esse factor.
Para subir naturalmente e de forma significativa, o consensual é treino em altitude. Mas os benefícios são temporários, logo há que ter cuidado na estruturação da fase de preparação do atleta.

jpacheco, ainda bem que gostaste, fico contente. Se quiseres vê o video da subida do Lance ao Hautacam em 2000. É impressionante o ritmo e intensidade que ele coloca na subida. Agora imagina que no video que viste, com o Riis em 1996 ele é 1'42'' mais rápido que o Lance ... um gajo fica a pensar WTF!

grouk, mais uma vez quero reforçar que eu não quero minimizar o uso de outras substâncias. Principalmente drogas ainda não detectáveis. E penso que drogas que mimetizem o resultado do Clembuterol (reduzir massa gorda, mantendo massa muscular; grosso modo) devem a estar a ser usadas neste momento. A percentagem de massa gorda dos atletas actuais tipo "gafanhotos" é inacreditável, é muito provável que ao estar bastante restrito o que se pode fazer à nível de hematócrito, estejam a ser esmifradas todas as outras alternativas.
Até porque sempre se soube que para além de EPO, eram esteroides, HGH, corticóides, etc. Não é à toa que chamo aos ciclistas das fases que descrevi com mais detalhe, de "farmácias com rodas".
Em relação ao estudo que falaste, já li algo muito parecido. Não sei se seria o mesmo ou não, mas é como dizes. Havendo competição, há sempre quem queira bater os outros, nem que seja pelo ego e fama.

Mig77, acho que discordar faz parte dum fórum, da minha parte não há stress nenhum. Aliás até acho que muitas vezes não é discordar. É trocar opiniões, tal como uns colegas ou amigos também trocam ideias e argumentos numa mesa de café ou a beber uma cerveja :)
Em relação ao teu argumento da diferença entre o vencedor e o top 10 e o top 30, tens um bom argumento. Não vou estar a inventar explicações, pois eu não as tenho. Realmente não sei explicar. O teu argumento tem bastante valor.
Mas por outro lado olho para as performances absolutas e a explicação que dei com base na fisiologia e nos dados faz todo o sentido. Vejamos:

- Certos ciclistas tinham que ter um "edge" muito grande sobre os restantes para conseguirem as exibições que conseguiram (ver a Fleche 1994, JO de 1996)
- Não há explicação lógica para miúdos como o Ullrich e o Berzin aparecerem do nada e ganharem GTs. E no caso do Berzin com a agravante de ter feito o que fez na LBL e na Fléxe!
- Porque não tivemos mais ciclistas do tipo do Ullrich e do Indurain, com pesos consideráveis a vencerem GTs?
- Os tempo de subida, principalmente durante 1994-1996 são uma loucura.
- Como é que o Pantani, numa etapa em linha (1995) consegue espetar 56'' de diferença para o Lance (2004) na subida para o Alp 'Huez, quando a subida do Lance é feita num CRI?

Mig, eu entendo que aches que os corredores de topo andavam em igualdade de circunstâncias. Mas como explicas um corredor (Berzin) que vence a LBL, fica em 3º na Fleche, fazendo aquela fuga absurda com 2 colegas de equipa, e vai vencer o Giro do mesmo ano (1994)? Estes ciclistas tinham que ter um "edge" sobre os restantes, aquilo não é humanamente possível. Ou então estavam a arriscar tudo em termos de saúde e estariam com hematócritos ainda mais elevados do que aqueles que estão descritos no relatório do procurador italiano.
Em relação aos DD acredito que alguns sejam mais conservadores e tentar segurar mais os atletas que outros. E acabem por castrar um bocado os atletas. Mas acho que será pontual, um atleta de topo, se achar que pode vencer e que tem capacidade para obliterar a concorrência, faz como o Landa. Tira o auscultador e pronto ... eheheh

Camaradas, mais uma vez obrigado pelas vossas palavras!
 

DMA

Well-Known Member
Desculpem os erros de escrita como foi no lugar de fui, Flexe no lugar de Fleche, entre outros.
Realmente a pressa é inimiga da perfeição ...
 

otnemeM

Member
Dois argumentos de peso para a questão das diferenças são a mudança de paradigma que houve entre um período e outro no trabalho e estratégia de equipa e uma banalização do que antes eram segredos e receitas únicas.
 
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