No inferno a beber chá, com bolachinhas....
Boas pessoal do pedal…
Embora este ano o meu “curriculum” não esteja a ser muito ampliado, lá vou arranjando tempo e oportunidades para pedalar. As voltinhas mais pequenas, as tais de Domingo, vão entrando na normalidade, ajudado pelo facto de ter encontrado dois colegas porreiraços, cá pelo burgo.
Em Julho, inserido numa actividade de família, tinha planeado uma descida aos algarves, mas à última foi tudo cancelado, e tive que me contentar com uma ida à capital, como já relatei por cá. Mas existia outra possibilidade. Tinha um convite de em Agosto ir fazer parte de um encontro nacional de jovens, mais concretamente em V. Real de Stº António, e esta possibilidade eu não queria deixar fugir. Dois dias antes recebi, parcialmente, um balde de água fria, com uma notícia que me obrigava a alterar tudo e quase boicotar o meu desejo. Mas como quem quer a bolota tem que “atrepar”, logo pensei numa solução, que me iria levar exctamente à parte oposta, até casa de um familiar: Aljezur.
Eram exactamente 3h45m da matina quando comecei a pedalar. Confesso que ia um pouco apreensivo, mas o prazer que me dá este vício logo fez com que entrasse em velocidade de cruzeiro. A noite ainda escura não me afligiu nada, bem pelo contrario, ajudado pela excelente temperatura, e por me acompanhar um céu estrelado digno de ser visto.
Nos primeiros 10kms a estrela polar, e a sua vizinha ursa maior, insistiam em “olhar” para mim, porque se apresentava pelo meu lado esquerdo, como que a tentar incentivar-me a seguir para norte… mas desta vez o meu destino era o sul.
Sertã ficou para trás para entretanto começar a ver as luzes de Vila de Rei, tendo pelo meio umas subidinhas que ajudaram a animar ainda mais.
Os primeiros sinais do amanhecer começaram a notar-se, quando eu ia a passar ao lado da Vila do Sardoal, e quando cheguei a Abrantes já a luz me permitia ver bem, no horizonte, as chaminés de arrefecimento da central termo-eléctrica do Pêgo. Nesta altura, confesso, que ia um pouco desanimado. Sentia-me desconfortável com a transpiração, as pernas doíam como se já tivessem feito 500kms (ia com apenas 65), o pescoço ia a doer também. Foi nesta altura que eu decidi fazer a primeira paragem, embora não precisasse. Aproveitei para “descarregar” e abastecer o corpo com alimento e fazer a contabilidade dos kms percorridos. Contabilidade feita, o balanço incentivou-me a seguir em frente… não era de esperar outra coisa.
Primeira surpresa do dia: À saída de Abrantes existem uns campos imensos de milho, e num deles pude ver algo que nunca tinha visto até agora, em liberdade: Uma vara de javalis. Mais à frente outra surpresa: Uma grande ave de rapina, empoleirada em cima de um poste, mesmo ali a uns metros… e não fugiu!!!
Ponte de Sôr estava já no horizonte, quando o calor já prometia, cruzou-se comigo uma brigada de trânsito… ia eu a cantar com todos os pulmões. Não pude deixar de rir quando vejo o condutor a olhar pelo retrovisor.
Após esta localidade entrei naquela que seria a maior recta do dia, em direcção à barragem de Montargil. Antes pude constatar as excelentes condições do aeródromo e assim fazer um pouco de futurologia: “Um dia destes a Ryanair vai começar a aproveitar este aeroporto para servir esta zona e a de Lisboa….” Pensamentos de quem não tinha mais em que pensar.
Montargil, foi o lugar escolhido para nova paragem mais demorada. O calor já se fazia sentir bem. Ia a bom ritmo, e o ânimo em alta. Comecei a constatar que afinal estava enganado quando pensava no Alentejo. Nunca tinha andado de bicicleta por estas bandas, e tinha uma ideia diferente. Pensava que para Além Tejo o terreno tornava-se praticamente plano, mas de facto assim não é. É certo que não se encontram aquelas subidas das Beiras, ou mesmo de outros lugares, mas aqueles montes partem as pernas. Não por serem muito inclinados nem extensos mas pela quantidade. São constantes e a tal planura tão típica do Alentejo, quase não passou por mim. Só depois de Alcáçovas é que o terreno se tornou mais plano.
Bom, lá continuei rumo a sul. O sol tornava-se abrasador, e em Montemor o meu contaKM marcava já 38 graus. Eram cerca das 11 horas. Nesta localidade parei para me abastecer melhor. Uma sopa e um sumo bem fresquinho tornaram a animar a vontade.
Lamento a forma como fui atendido pelo dono. Antipático até dizer chega… deveria estar nos dias difíceis.
À saída de Montemor, passa por mim um daqueles tratores agrícolas, enormes talvez com um 300000000000 cv. Mesmo a jeito!!!!! Colei-me na sua traseira e lá fui eu a 40kms/h durante uns bons kms , e sem esforço.
CUBA…….. sem praia!!!!! Que calor fazia!!! O meu “amigo” marcava 41 graus!!!! A água gelada que ia comprando e colocava nos bidões parecia chá ao final de 15 minutos… sem exagero. A minha preocupação era a hidratação, porque me ia alimentando regularmente, com uma bolachinhas que levava nos bolsos. Parecia que ia no deserto onde a preocupação maior é encontrar água. Pedalei durante horas com a temperatura nos 40 – 43 graus. Estava no inferno… e como estava a ser enorme o nosso Alentejo. Amigos alentejanos, serei vosso defensor sempre que estiver com alguém que vos critique de trabalharem pouco… Agora eu compreendo.
Alcáçovas, e a surpresa do dia. Fui a um café restaurante, e a intenção era parar para me alimentar a sério. Dirigi-me ao balcão e perguntei ao homenzinho: “O que tem a saír?” Resposta: “Teem-me a mim!!! Estou farto de estar aqui!!! A minha vontade era saír mesmo daqui!!!” Pensei: “estes alentejanos não gostam mesmo dos “galegos” (nome que dão aos visitantes, segundo depois vim a saber)”. Estava a comer a minha sande quando acontece a surpresa do dia. Olhei, casualmente para uma cliente e logo reconheci a sua cara, para depois confirmar ao ver a cara do marido. Eram meus vizinhos e amigos, que há uns anos deixaram V.N.Gaia e vieram viver para o interior alentejano . Uma alegre cavaqueira se seguiu e na despedida ele disse-me uma coisa que confirmei: “No Torrão é que deve estar quente!!” E como estava quente. Felizmente existe uma fonte de água com um reservatório, onde mergulhei a cabeça com capacete e depois os pés com sapatos e meias. Foram momentos de algum alívio.
E o calor não dava tréguas. Era, definitivamente, o meu maior inimigo. Confesso que tive que parar um par de vezes, aproveitando alguma sombra que existisse à beira da estrada. Água, água, água!!!! Era o meu pensamento constante. Estivesse quente, ou fria não importava.
O ritmo tinha baixado muito, primeiro devido ao calor “insurdecedor”, e depois porque o terreno em constante carrossel começava a trazer algum cansaço. O calor era tanto que nada se mexia, a não ser um maluco em cima de uma bicicleta. A minha esposa que me perseguia com o carro estava a aproximar-se, e eu queria chegar o mais longe possível antes que ela me apanhasse, mas de facto a energia começava a faltar.
Ferreira do Alentejo, foi o meu oásis. No centro da vila, na praça onde esta á seg. social, existe um chafariz decorativo, mas eu não quis saber de nada. Sentei-me na borda e mais uma banhoca que muito bem me soube. Comecei a constatar que o meu sonho não ia ser realizado. Olhei para a minha condição física, para o relógio e depois fiz umas contas rápidas e depressa verifiquei que Algezur ainda ficava muito longe. Coloquei então novo objectivo: Aljustrel ou 300kms.
Antes de Aljustrel fui “apanhado” pela minha esposa, mas numa rápida inspecção decidi atingir os 300 kms. Em Aljustrel existem umas paredes demolidoras (ou era eu que já ia nas últimas?) que foram ultrapassadas a custo, e segui viagem em direcção a Odemira, para 10kms à frente ter encostado definitivamente.
Fiquei com um sentimento estranho: Alegria por mais um objectivo atingido, mas um amargo de boca por não ter chegado ao Algarve. Mas não se iludam: I’ll be back!!
Deu para mudar a minha opinião dum tal Alentejo que de carro parece plano. Deu também para aprender a lição que o mudar, a meio do passeio, o trajecto não é vergonha para ninguém. Se em Montemor tivesse ido por Alcácer, Grândola, se calhar até teria conseguido. É mais plano, mais fresco e teria o vento a favor. Fica para a próxima.
Contabilidade:
300kms
Cerca de 25kms/h de média
2100 metros de acumulado positivo
12 litros de água (acreditem ou não)